Mogwai, “I Know You Are,
But What Am I?” in https://www.youtube.com/watch?v=NkJx6t2EOAo
Abria as mãos. Procurava poesia dentro delas,
um farol que fosse centelha a desembargar a estrada embaciada, uma vírgula no sítio
certo, um olhar acolhedor, as palavras fantasiosas em vez de desconfiança, um
castelo proeminente em forma de jura. Abria as mãos à espera que elas pudessem
agarrar os sedimentos todos que viessem ao cais. E que nesses sedimentos
escondidos, alojados estivessem os segredos para limpar o céu das nuvens inúteis,
ao mesmo tempo que a necessidade de chuva fértil não era obliterada.
As mãos trariam das marés um catálogo
impressionante de feitos. Com a modéstia imperativa, os feitos não seriam alardeados;
sobrariam para as interiores confabulações das veias enrubescidas, à espera, pacientemente,
que os tempos venais se esboroassem perante a cidade erguida no sopé das mãos. Seria
como um entrega. Um sacrifício que não o seria, mercê das recompensas aladas na
improbabilidade de uma resposta.
As mãos abertas continham perguntas, perguntas
a eito. Não esperavam respostas que fossem suas rimas. Tudo o que ambicionavam,
as mãos sequiosas, era o deve e haver das perguntas que subiam à cena no palco
do conhecimento. Para tudo isso, as marés sucessivas eram alimento que às mãos ávidas
vinha aportar. Talvez as mãos, em seu movimento elíptico, ensaiando
coreografias num imaginado palco montado por cima da cabeça, quisessem aprender
no albergue onde campeia o conhecimento em estado bruto. Por isso, as mãos
mergulhavam nas águas frias do mar e esperavam pelas diferentes marés. Esperavam
que não houvesse remoinhos que, em sua voracidade, trespassassem o pensamento
em ebulição. Podia dar-se o caso de um choque térmico entre as mãos tórridas e o
mar álgido corporizar um ardil onde as mãos não teriam recobro.
O risco compensava a ousadia. E as mãos
afocinhavam, resolutas, nas águas mexidas e frias que as marés diferentes
preparavam. As crianças na sua retaguarda esperavam, ansiosas, queriam saber o
resultado da demanda. Ele ungiu-as com as mãos ainda molhadas, extraídas ao telúrico
mar invernoso. E, em vez de medo exibirem na contrafação das mãos arrefecidas
pelo mar, as crianças aguardavam a bênção assim preparada.
No dia seguinte, seria a vez de as crianças
mergulharem as mãos no mar tempestuoso.
Sem comentários:
Enviar um comentário