Radiohead, “Pyramid Song”
(live), in https://www.youtube.com/watch?v=7DH4w27FXeY
Ele não se acusava desgraçado: no seu dicionário
privativo, desgraçado é a pessoa de quem a graça – no sentido de fortuna, mas não
no sentido material – anda arredia. Nem reivindicava estatuto de vítima, pois o
que mais há é desgraçados que fazem do estatuto profissão (ou estado de alma) e
animam as atenções em forma de comiseração – como se a comiseração aplacasse os
infortúnios que sobre eles se abatem. Não é o contexto de desgraça que ele corporiza.
Um estado de graça é, neste horizonte, o antónimo
do estado de desgraça. Os cânones mandam dizer que só quem já esteve em estado
de graça é que pode cair em estado de desgraça. Os olhos contemporâneos podem
ajuizar ser o estado a que chegou o governo. Mas a política e os negócios da nação
não são para aqui chamados. Ele discordava do preceituado anterior (não do
diagnóstico atual do governo de salvação nacional). Não era preciso ter estado em
estado de graça para depois se achar nos sumiços da desgraça. Ele há muita
gente que vai de um púlpito ao fundo do poço num instante. Que isso não seja
confundido com relação causal entre graça e desgraça. Primeiro, porque ninguém
precisa de ter estado nas boas graças de outrem para mais tardar se lamentar da
inversão de estatuto; pode acontecer a alguém que nunca tenha sentido uma graça
como pretensiosa comenda. Segundo, o tira-teimas da ausente relação causal é que
quem escorrega para um estado de desgraça não pode esperar que o tempo sobrante
seja generoso e, a páginas tantas, alcandorado seja a um estado de graça. Termos
em que ele definia um estado de desgraça: não tem remédio que se espere com o
andamento do tempo. Ao estado de desgraça, por irremediável que seja, não
importa a definitiva e irremissível decadência do ator caído nesse estado.
Há gente que se acomete de padecimentos vários
quando se sabe imersa num estado de desgraça. É como se um mergulho numa piscina
de lodo viscoso se tratasse e fosse impossível manter-se à tona, as forças
submersas e ocultas a puxarem o corpo para o fundo da piscina. Há muita gente
que se entristece ao saber-se aquartelada num lugar onde estão os párias, os
quase inúteis, os que não merecem crédito nem confiança, os que invariavelmente
erram (ou são levados a essa suposição pela sequência de desautorizações de
quem o contraria). Ele não figurava no numeroso exército de gorados por causa
do estatuto de desgraça pespegado.
O que importava não era o estado de desgraça. Sabia
que não era por sua vontade, nem por atos da sua autoria, que o estado de
desgraça fora apenso ao seu currículo; fora uma ação exterior, ainda sem
putativa explicação, a origem do estado de desgraça que oficialmente, e com não
solenidade a condizer, lhe impingiram. Não havia mal nenhum na depreciação
assim ditada. A entidade responsável não era cautela de bons pergaminhos. Cair
assim em desgraça é um estado de graça.
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