PJ Harvey, “You Said Something”,
in https://www.youtube.com/watch?v=HJlmva4oWt8
Há palavras dolentes, palavras que não merecem
ser ditas. Um silêncio hermenêutico. Pois através do silêncio podem falar as
palavras necessariamente oprimidas, oprimidas para um bem qualquer. Vegetam silêncios
maiores entre a espuma que o mar deposita no areal que bordeja a maré. Vigoram
silêncios onde a demanda se enquista no bem maior, a ausência de pleitos. Vistoriado
o sangue possivelmente fervente, passada em revista a héctica saudade da impassibilidade,
a voz emudece a bem da causa entronizada no altar das prioridades.
Não chega a ser repressão das palavras; apenas sua
contenção, o guardar em espaço reservado as que podiam desalfandegar
escaramuças que não têm um desaguar convidativo. Se o silêncio medrasse entre
os pingos da chuva, uma quimera possível, saber-se-ia que os olhos não decaíam
em seu marejar inútil. Os postais devem ser em branco, com a imagem no avesso a
fazer as vezes da mensagem. Mesmo que a mensagem seja servil de um sentido
opaco: à falta de silêncio que afixe a devida pontuação na gramática das frases
que deviam ter ficado por dizer, o calendário não esbraceja diante das palavras
improváveis. É uma outra maneira de exercer o silêncio, sem que o silêncio
tenha a pura ausência de palavras como húmus.
O exemplo carece de intérprete. O guardião de
silêncios, o ator que não se intimida com o eco demorado do silêncio em sentido
literal. Sabe que em momentos certos as palavras merecem ficar solteiras,
sitiadas pelo solfejo de um silêncio maior. Podem passar cavalos apressados num
trovejante galope, aprisionando a atenção das pessoas ao estrepitoso manancial.
Nem assim se descompõe o silêncio heurístico. Assiste-se ao momento aparatoso e
as razões do desassossego ficam em banho-maria.
Do exemplo matricial sobra a pedagogia do silêncio
criteriosamente escolhido. Dirão alguns, com o sangue a aflorar à pele febril,
que o silêncio não foi feito para eles. Não se querem estremunhados por um silêncio
que julgam contrafeito, um silêncio ensurdecedor que os transfigura na antítese
da sua linhagem (boa ou má, para o caso não interessa). Talvez o amanhecer
sereno da maturidade seja a caução de que precisam para não serem reféns do
sangue fervente. Saberão que o emudecer das palavras contingentes é preferível
(e que notem bem, não se usa a depreciativa expressão “é mal menor”) ao seu
resfolegar pela pedregosa serrania que acaba com o corpo engastado de
cicatrizes.
O alfobre da madurez previne as feridas. É preferível
a ter de as curar na forma de cicatrizes.
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