Tindersticks, “Intro”, in https://www.youtube.com/watch?v=vZx7U9T2694
Ah, os adoráveis argumentos de autoridade, a
autoridade ela toda benzida pelos pergaminhos intelectuais dos seus fautores! Ah,
aquela sobranceria de casta, passeada pela trela da presuntiva superioridade
apascentada pelos neurónios de primeira ordem de grandeza que estão na origem
de sinapses de elevado jaez, a credencial que o intelectual traz a tiracolo e
esbofeteia, com altivez, no comum dos mortais! E, ah! os intelectuais que não
podem ser contrariados. (A não ser na bizantina discussão entre pares, a
discussão, as mais das vezes, escorregando para o insulto pessoal em vez de ser
cingir à exegese das ideias em cotejo.)
O intelectual típico arroga-se ao direito de
considerar a produção da sua atividade um inestimável serviço público. Como serviço
que é prestado ao público, é credor de pública subsidiação. E de públicas
alcavalas a condizer, pois o intelectual não vive do ar e do vento e a sua
produção não se afere pela bitola da quantidade, tem como estalão a intensidade
qualitativa. No fim de contas, são os exemplares muito contados de um escol que
se oferece como património cultural ao povo demais, legando-lhes referências
para a sua recognição cultural. Alguns informados, e outros com pretensões de
serem intelectuais arrivistas, lavram um protesto contra a preguiça que acusam
ser o bastião dos intelectuais que se acoitam no beneplácito do Estado. Os informados
não têm, todavia, a informação toda e confundem quantidade com qualidade,
quando o que serve de critério é o valor da produção do intelectual, não o
quanto se produz. Os arrivistas protestam por manifesta inveja, deixando de
lado os protestos se algum dia forem acolhidos na casta que dantes vituperavam.
Os intelectuais com mais anos de serviço – e
enquanto lhes for dado pertencerem ao escol – são senadores, no sentido cultural
da palavra. Depressa estendem o território da cultura à política (criando um
oximoro): assim como assim, aos sábios que de tudo sabem não pode escapar a
opinião política; e se são membros da comunidade não podem recusar um dever social
embebido no seu estatuto intelectual manifestamente distinto. Peroram com a
mesma autoridade intelectual com que esmagam a populaça que se aninha perante
tanta erudição no saber que os distinguiu. Ninguém faz as contas que
interessam: os que se aninham e aplaudem acriticamente não chegam a ter poder
cognitivo sobre a produção dos elogiados. É só um dever social, aplaudi-los por
assim estar convencionado.
Se não conseguem influenciar o curso das políticas,
engrossam as fileiras dos que se incompatibilizam com os engenheiros sociais,
reclamando os maus pergaminhos de tais políticas pelo simples fenómeno de elas
não quadrarem com os seus prescientes diagnósticos, previsões e prescrições. Levam
uma missão a peito: são reservas morais da pátria. Esperam algum dia serem
chamados a solenes funções que extravasam as áreas onde se notabilizaram. Quando
acontece, são tão peixes fora da água como os amadores políticos e os
aprendizes de políticos que enxameiam a paisagem respetiva.
Afinal, já não se pode confiar nos vultos da
intelectualidade.
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