Slowdive, “Sugar for the
Pill”, in https://www.youtube.com/watch?v=-tWhPv2U6aQ
O suor escorre, lavando o rosto e o resto do
corpo. Tudo indica que o sobressalto contínuo tomará conta de tudo. As mãos estremecem.
É o medo. A angústia vem a tiracolo. Ninguém garante que amanhã haja lugar para
ser amanhã (pelo menos, os amanhãs habituais). À volta, ensaiam-se teses apocalíticas.
À mercê de uma vontade exterior, aviltante, da qual apenas se pode exibir
desconfiança, tal a má linhagem que a ornamenta.
Os presságios montam-se num tabuleiro onde só têm
lugar as peças negras. Num palco tingido por panos eles também negros. É a
antecipação de um luto necessário (apesar de não haver mortos para chorar). Pelo
caminho que as coisas levam, parece que deram entrada num labirinto astuto, um
labirinto que apanha as pessoas pelo pescoço e não oferece a garantia da porta
de saída. Os mais sombrios, atemorizados pelo mundo às avessas como ele se
oferece aos seus olhos, estão encanitados: não há justiça divina que pudesse contemporizar
com tamanha perfídia; remuneram o raciocínio: talvez não haja nenhuma justiça a
creditar às divinas entidades. (Ou, então, no mais sofrido dos diagnósticos,
aos seus olhos revela-se a inexistência de tais entidades.) Protestam na mesma.
Julgam ser a última instância a que as mãos
se agarram, a metafórica tábua salvífica que, num momento quimérico, tudo
resolve para o mundo continuar a sua marcha lânguida.
E depois, há os que mantêm as mãos firmes, sem
suor a escorrer pelos poros, sem serem açambarcados pela angústia asfixiante. Os
que continuam a ver peças brancas no tabuleiro dominado por sacrílegas peças
enegrecidas (admitem). Também admitem que ultimamente as alvoradas são
medonhas, como se fosse apenas o prolongamento da noite – ou como se tivesse
havido um deslocamento gravitacional e neste meridiano os invernos
encomendassem noites perenes. Não se intimidam. Não capitulam. Intuem – é apenas
uma intuição, sem base concreta – que se capitularem ficam à mercê da aviltante
vontade exterior. Ficam expostos a um processo de osmose de sentido único, essa
vontade exterior mergulhando nos poros suados, tirando partido dos poros
suados, e a partir daí comandando a vontade colonizada. Que deixa de ser,
sequer, vontade.
Nada disso terá lugar. Não será essa a cena que
deixarão subir a palco. Porque têm um trunfo guardado na manga. Um trunfo que
vira o jogo do avesso e estilhaça as aviltantes vontades exteriores ao nada a
que se reconduzem. Não é um trunfo ao acaso, um trunfo qualquer esgrimido como
se fosse a derradeira instância que promove o acesso salvífico contra as
aviltantes vontades exteriores. Dizem tratar-se do trunfo; o trunfo, não um
trunfo avulso: o trunfo que tem o condão de virar o jogo do avesso. E de manter,
pelo menos, a desordem ordenada em que o mundo se apascenta.
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