26.7.17

O trunfo na manga


Slowdive, “Sugar for the Pill”, in https://www.youtube.com/watch?v=-tWhPv2U6aQ    
O suor escorre, lavando o rosto e o resto do corpo. Tudo indica que o sobressalto contínuo tomará conta de tudo. As mãos estremecem. É o medo. A angústia vem a tiracolo. Ninguém garante que amanhã haja lugar para ser amanhã (pelo menos, os amanhãs habituais). À volta, ensaiam-se teses apocalíticas. À mercê de uma vontade exterior, aviltante, da qual apenas se pode exibir desconfiança, tal a má linhagem que a ornamenta.
Os presságios montam-se num tabuleiro onde só têm lugar as peças negras. Num palco tingido por panos eles também negros. É a antecipação de um luto necessário (apesar de não haver mortos para chorar). Pelo caminho que as coisas levam, parece que deram entrada num labirinto astuto, um labirinto que apanha as pessoas pelo pescoço e não oferece a garantia da porta de saída. Os mais sombrios, atemorizados pelo mundo às avessas como ele se oferece aos seus olhos, estão encanitados: não há justiça divina que pudesse contemporizar com tamanha perfídia; remuneram o raciocínio: talvez não haja nenhuma justiça a creditar às divinas entidades. (Ou, então, no mais sofrido dos diagnósticos, aos seus olhos revela-se a inexistência de tais entidades.) Protestam na mesma.  Julgam ser a última instância a que as mãos se agarram, a metafórica tábua salvífica que, num momento quimérico, tudo resolve para o mundo continuar a sua marcha lânguida.
E depois, há os que mantêm as mãos firmes, sem suor a escorrer pelos poros, sem serem açambarcados pela angústia asfixiante. Os que continuam a ver peças brancas no tabuleiro dominado por sacrílegas peças enegrecidas (admitem). Também admitem que ultimamente as alvoradas são medonhas, como se fosse apenas o prolongamento da noite – ou como se tivesse havido um deslocamento gravitacional e neste meridiano os invernos encomendassem noites perenes. Não se intimidam. Não capitulam. Intuem – é apenas uma intuição, sem base concreta – que se capitularem ficam à mercê da aviltante vontade exterior. Ficam expostos a um processo de osmose de sentido único, essa vontade exterior mergulhando nos poros suados, tirando partido dos poros suados, e a partir daí comandando a vontade colonizada. Que deixa de ser, sequer, vontade.
Nada disso terá lugar. Não será essa a cena que deixarão subir a palco. Porque têm um trunfo guardado na manga. Um trunfo que vira o jogo do avesso e estilhaça as aviltantes vontades exteriores ao nada a que se reconduzem. Não é um trunfo ao acaso, um trunfo qualquer esgrimido como se fosse a derradeira instância que promove o acesso salvífico contra as aviltantes vontades exteriores. Dizem tratar-se do trunfo; o trunfo, não um trunfo avulso: o trunfo que tem o condão de virar o jogo do avesso. E de manter, pelo menos, a desordem ordenada em que o mundo se apascenta.

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