6.7.17

Filhos da terra


Mac DeMarco, “On the Level” (live at Conan O’Brien), in https://www.youtube.com/watch?v=L3Fl0xsxsCA    
“Não te deixes derrubar pela insignificância dos pequenos momentos e serás homem para os grandes; se jamais te faltar a coragem para afrontar os dias em que nada se passa, poderás sem receio esperar os tempos em que o mundo se vira.” Agostinho da Silva, “Dos Dias Monótonos, Considerações”, in Textos e Ensaios Filosóficos I, 1944, p.113.
Não os diletos patrícios que emprestam grandeza ao feitio da terra que os viu nascer. Filhos da terra: no sentido dos homens e das mulheres que metem as mãos na terra e se extasiam com o aroma que frui quando as mãos sujas se aproximam do nariz sôfrego. As mãos ávidas que trazem da terra os sedimentos que as transformam em frutos. As raízes subtraem-se ao esconderijo e exibem-se no esplendor que é seu. São intermediadas pelos filhos da terra, que a contemplam na reinvenção dos esteios que se fundeiam nas profundezas da terra, partindo em demanda das suas raízes.
Uma vez, alguém protelou o entendimento do mundo desafiando os restantes a olharem para a árvore matricial que assinalava a geografia. Havia algo de demiúrgico naquela árvore. Era como se dela emanassem os poros rudimentares de onde tudo desabrochava em pujante exibição frondosa. Um outro replicou: a árvore está embebida nessa sumptuosidade porque se estriba na terra opulenta, que é seu húmus. Contrasta com as terras nas imediações, atordoadas pela paisagem desértica, mostrando uma infecundidade aflitiva. As terras à volta eram o mostruário da fragilidade. A vida não medrava nas formas em que habitualmente medra no arrebatamento da natureza.
Apostaram na colonização das terras de que toda a gente fugia. Congeminaram sábios planos para transplantar a terra boa para os locais onde ela era frágil. Decidiram exportar a generosidade da terra cevada, à espera que se desse um contágio favorável nos lugares da terra frígida. E esperaram. Teriam de conviver com a demora. A biologia ensina a ser paciente com a passagem do tempo. Enquanto eram passageiros de tempo e esperavam, com a paciência imperativa, por um bom final para a aventura, os colonos não ficaram impassíveis. Não transigiram nos cuidados exigidos para que a terra boa não apodrecesse. Cativaram os seus melhores esforços para não deixarem fracassar a empreitada.
Nos interstícios, não se dedicaram apenas à paciência exigível. Nos intervalos das funções exigidas pelo plano cinzelado, as pessoas não capitulavam à inércia nem se deixavam derrotar pela impertinência silenciosa dos tempos sem aparente serventia. A letargia era a mais mortífera das espadas a adejar sobre as suas cabeças. Só se dá conta dos seus efeitos devastadores depois da espada ter descido, sem remissão.   

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