Teho Teardo & Blixa
Bargeld, “Alone with the Moon”, in https://www.youtube.com/watch?v=DQhMiiHowCg
Num repente, perdeu o temor da morte.
No palco onde os atores haveriam de levar a peça à cena, um caixão aberto,
centrípeto. Noutros tempos, nem sequer teria coragem de subir ao palco ao saber
que estava dominado por um (assim entendido) demoníaco caixão. E, ainda por
cima, aberto, como se desabrochasse em forma de convite malsão. Há alturas em
que a meada deixa à mostra outros preparos. Aquele era o dia de esfrangalhar
preconceitos. Subiria a palco. Indagaria de perto os limites do caixão. Para
perceber os deslimites da vida, a delgada fronteira com a morte. Nem que fosse
como metáfora primacial dos sentidos acolhidos na rosácea frondosa, para se
devolver à expressão desarmada da existência ao tomar posse do rombo nos
preconceitos.
Sondou o caixão. Primeiro, a medo. Deu
conta que era apenas uma caixa aberta, almofadada com um tecido aveludado de
vistosas cores.
(Talvez fosse imperativo desfazer a
melancolia da morte, emprestando-lhe, neste que era o derradeiro leito
destinado a um féretro, uma luminosidade que fermentava nas vistosas cores e no
conforto do tecido aveludado. Não chegou a perceber se o conforto era destinado
ao cadáver em espera ou aos familiares e à gente chegada.)
Num assomo de coragem, acomodou-se
dentro do caixão. Deitou-se na posição de morto. As vistas eram iguais às que
se tem quando a cama recolhe o corpo cansado em vésperas de sono; é a mesma
horizontalidade. Possivelmente, a um morto não será dado apreciar a mesma
paisagem, pois os cientistas produziram prova abundante que um morto fica
desprovido de sentidos.
Adormeceu, sem dar conta. Foi agente
passivo por dentro do labirinto de um sonho tentacular. Uma entidade
prestigiada, intelectualmente sobredotada, com reputação incontestável, explicava
o devir da morte através do sonho. Essa entidade afirmou: “assim que morremos, somos entregues nas mãos da lua”. Não há contacto
entre cada corpo destinado ao refrigério da lua. A socialização não consta do
vocabulário lunar.
Ficamos sozinhos na lua. Depois
percebeu porquê. A lua generosa, infinita na previsão dos mortos que a ele se
entregam, é o virtuoso lugar onde os paradoxos se entrecruzam. Ficamos sozinhos
como sinal de castigo e de deleite. Como castigo, pois deixamos de fruir as
pessoas que nos foram queridas. Ficamos sozinhos, porque na morte não nos é
dada a prestimosa companhia dos que foram tutores do conforto da sua companhia.
O tempo desta companhia esgotou o prazo de validade. Ao mesmo tempo, a solidão
na lua desenvencilha um deleite impróprio durante a vida terrena: deixamos de
aturar as pessoas insuportáveis que arpoam nas ilhargas.
Acordou num sobressalto. A crer na
metáfora do sonho, não tinham lugar os temores da morte. Assim como assim, o
caixão era irrelevante. Sempre dissera que queria ser cremado quando deixasse
de ser participante no mundo dos vivos.
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