Nine Inch Nails, “The
Fragile” (live), in https://www.youtube.com/watch?v=oBKwtK1J30c
Uma lição de psicologia barata: se
temos amigos, é bom critério não pensarmos pedir dinheiro emprestado, ou
emprestar-lhes dinheiro. É meio caminho andado para arruinar a amizade. Havendo
amizade e metendo-se dinheiro pelo meio, é forte a probabilidade de os
sentimentos serem derrotados pelo materialismo. Haverá quem abuse da amizade
para trepar às costas dos amigos graças a empréstimos. E se houver dificuldades
em restituir o dinheiro em dívida, a amizade será critério categórico para
perdoar dívidas. Só que o mesmo critério é válido para o amigo que está do outro
lado da trincheira: quem empresta quer ver a cor do dinheiro – o materialismo
também se sobrepõe à amizade. Ou, glosando o adágio, “amigos, amigos, negócios à parte”.
Contudo, os amigos não praticam malfeitorias
uns nos outros. Ou não o deviam fazer, a menos que a amizade seja uma intentona.
A não ser que decaiam em tendências S&M (e elas sejam consensuais,
colorindo a amizade), os amigos não atam as mãos uns aos outros. Sobretudo se
estiverem numa posição desigual à partida no que às forças diz respeito. Cenário
em que se apresta a ver em palco o amigo hercúleo a amordaçar o amigo franzino.
E se à amizade o torniquete das regras se impõe (o que é bizarro, pois a
amizade devia ser guiada por princípios espontâneos, não por regras reduzidas a
escrito), as negociações que as antecedem devem ser pautadas pelo equilíbrio. Caso
contrário, o amigo mais forte dita para a ata as suas condições e o amigo frágil
aceita-as sem bulir. Uma amizade destas é uma amizade treslida. Uma amizade a
caminho do precipício. Pois uma amizade não se sujeita a regras – e aqui adicione-se
um ponto final.
Se os amigos se regem por regras, devem
levar as consequências até ao fim. Se, em obediência às regras, o amigo frágil
precisa de ajuda financeira, o amigo mais forte deve ser o primeiro a atendê-lo.
Não se conceba uma relação em que a uma das partes (o amigo mais forte) só assiste
a fatia agradável da amizade e ao amigo franzino restam os deveres. Uma amizade
destas é uma amizade fracassada, ou a caminho de o ser. Ou não é legítima
amizade.
Termos em que restam duas hipóteses: ou
os amigos aceitam que a amizade não se subordina a regras escritas, ou a forjam
no conciliábulo de regras absurdas. No primeiro caso, não se coloque a hipótese
de os amigos emprestarem dinheiro uns aos outros, em homenagem à saúde da própria
amizade. Na segunda hipótese, sejam tiradas consequências totais da formalização
de regras: assim como assim, com uma amizade treslida, se for preciso ao amigo
forte emprestar dinheiro ao amigo franzino, e se este for desleal ao ponto de
ameaçar não pagar (ou pretender renegociar os termos da dívida), ao mundo não
virá grande mal: à partida, esta era uma amizade frágil, ou uma outra coisa
qualquer refugiada no eufemismo da amizade. Não haverá grande perda se a
confiança se estilhaçar entre os dois “amigos” (assim, propositadamente
grafado).
Aprendi outra lição, mais relevante do
que a lição da psicologia barata: é preciso ter destreza na escolha das metáforas.
O exercício estilístico exige que se saiba escolher os termos da comparação. Uma
regra cardeal aplica-se ao exercício: só se pode comparar o que é comparável. O
cientista social, alemão e socialista, que usou a metáfora pedida de empréstimo
à psicologia social, foi desastrado. E inconsequente. No plano comportamental, as
nações não se comparam com as pessoas. Justificar por que não deve a União
Europeia transferir um camião de dinheiro para os países sobre endividados com
base na lição da psicologia sobre os amigos que devem evitar emprestar dinheiro,
é confundir a água com o vinho. E mostra a obstinação de quem se ensimesma no
interesse nacional e despreza as responsabilidades europeias. Se tivesse vencimento,
a metáfora desaguava numa incómoda interrogação: que amizade é esta onde só
conta o egocentrismo de um dos amigos (ainda por cima, o mais forte)?
Já Ulrich Beck (um alemão desiludido) protestava
contra a Europa alemã, descontente por a opção não ser Alemanha europeia. Foi
preciso ter vindo a Berlim e ouvir alguns alemães (académicos, políticos e
membros de think tanks, de esquerda e
de direita) falarem sobre o assunto para perceber, em carne viva, como a teimosia
oblitera a lógica.
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