Mão Morta, “Gnoma”, in https://www.youtube.com/watch?v=ehdeSeAbfJg
(Inspirado numa história
real)
I
“Não
ressuscitar”, em tatuagem lancinante no estuário do peito. Porque se não é entidade
deificada ungida com o dom da reinvenção da vida. Não. Não se tem esse direito,
a menos que se seja jesus. Os médicos que forem chamados ao local da morte, que
saibam não lhes ser autorizada a reanimação. Assim ordenam os mandamentos – e os
mandamentos não podem ser violados. A fragilidade dos homens, por oposição à
irrenunciável grandeza de deus, determina a finitude da vida. Não se pode mudar
o curso da maré.
II
“Não
ressuscitar”, tatuado na nuca, em lugar visível caso seja preciso, mercê da
calvície apurada. Porque a vida é una. Uma só. A sua indivisibilidade não
aceita a possibilidade de partição consequente à ressuscitação. É exatamente ao
contrário dos videojogos: o barco onde se joga a vida tem um código de conduta:
apenas temos uma vida. Seja ela desperdiçada e não há remédio que acautele o
arrependimento. Se se gastar e o fogo decair no nada, que a ninguém seja
permitido o reacendimento da vela.
III
“Não ressuscitar”, tatuado algures, em monocórdico
entoar, para chocar as consciências desadormecidas. Se temos medo da morte, por
que não aceitar a hipótese da ressuscitação se ela tiver provimento, se a hipótese
oferece caução a um prolongamento da vida, a um adiamento da morte? Responde o
tatuado: para darmos o valor de que a vida é credora. Pois se não lhe
conferirmos o valor que é seu, e inato, temos a errância como destino e,
possivelmente, o desbaratamento da vida que veio às nossas mãos. Elevemo-la o máximo
que pudermos. Não há segunda hipótese. Não é preciso haver segunda hipótese.
IV
“Não
ressuscitar”. À procura de lugar para ser tatuagem. Não se intui a
mensagem, nem se anda à procura de destinatário. Há palavras, conjugações de
palavras articuladas em orações, que não querem verdadeiramente dizer nada –
ou, pelo menos, que lhes deve ser retirado o sentido literal que se sobrepõe à
formulação. A escolha foi “não ressuscitar”,
como podia ser “língua de cão”, o
desenho de frutos pendidos, “Angola 1971”,
“Black Sabbath”, ou, em caracteres árabes,
o nome da quinta namorada a contar para trás desde o presente.
V
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