Indignu, “Chovem Pedras de
Fogo do Céu”, in https://www.youtube.com/watch?v=RO0tVrAsTAA
Um shaker
de não convicções. É assim o ano que diz adeus e a tendência (anémica, contudo)
de meter os trezentos e sessenta e cinco dias dentro do shaker, agitando a solução aquosa para auferir o sumo que é sua
extração.
É tarefa inglória, improcedente. É como
se um manto de irresponsabilidade tivesse coberto os dias antecedentes do ano
(todos os demais), ou se tivesse provimento deitar o olhar para trás do ombro
e, num assomo de lucidez (que se julgará ausente no resto do ano), congeminar
um célere inventário do ano que está para dizer adeus. Desconfio dessas inventariações.
Primeiro, por serem apressadas. Segundo, porque transmitem a impressão de que
durante os anteriores trezentos e sessenta e quatro dias a hibernação tomou
conta de tudo e o olhar adormecido não era capaz de se sentar sobre o
acontecido e dele tirar as ilações competentes. Terceiro, é habitual que os
inventários do ano terminado sejam o matrimónio perfeito com promessas de
resoluções para o ano vindouro.
Estas juras são a maior falácia a que
um mortal pode soçobrar. A menos que nada se aprenda do passado e a sucessão de
anos seja uma monótona rotina em que se olha de esguelha para o ano que diz
adeus e o ano vindouro seja promitente das coisas diferentes que, por
diferentes serem, dão a entender que a imperfeição do observador continua a ser
um imponderável que estorva o sono. Ora as imperfeições não são motivo de
sobressalto. São nosso património genético. Aproveitar a transição entre anos
para prometer que o ano nascituro é a equação em falta para a dobra das
imperfeições, atirando para cima do ano nascituro a responsabilidade de que ele
se alija com legitimidade. Às pessoas que assim se comportam escapa-se-lhes a
noção do seu arbítrio; pelo contrário, as coisas emalhadas em sua rede são,
invariavelmente, fruto de circunstâncias exteriores.
A dobra do ano é uma oportunidade que
se põe a jeito. E as pessoas, em vez de julgarem que a casa da partida coincide
com o ano nascituro, deviam ter a ousadia de a considerar sinónimo do ano que
diz adeus. Provavelmente, dissipavam muitas angústias e pesares que locupletam
o sono.
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