Orelha Negra, “Ready
(Redenção)”, in https://www.youtube.com/watch?v=tEijVZtLWO8
Ensinem aos mais novos a ilusão do natal.
Ensinem que o dia começa e acaba ungido com as flores e o seu perfume a
condizer. Ensinem que é um dia sem exemplo. Um dia onde se mascaram as obnóxias
condições que imperam nos outros trezentos e sessenta e quatro dias (na versão
mais sombria) ou na larga maioria dos dias sobrantes (se for temperada o
pronunciamento adverso). Se estiverem certos os preceitos assim ensinados, o
natal é um campo minado. Dizem: uma má representação do dia paradigmático, num
apogeu impostor que o tinge com um pano faz-de-conta adornado com lantejoulas a
preceito.
Expliquem as tonalidades desbotadas. As
palavras embrionárias, que caem no olvido mal termina a efeméride. Expliquem a
promulgação dos ardis. Ajudem a inocência dos meninos a entender por que a boa
vontade da efémera época não se estende aos demais dias do ano (salvo nas exceções
entronizadas como perfeitos dias, que é o mesmo que dias sem desconfianças, sem
cadafalsos que causam vítimas, sem diálogos com mitómanos, sem uma cornucópia
de palavras adulteradas, sem choros fraudulentos, ou sem paredes descaídas no
vagar de um precipício não atendível). Ensinem a ser falsários como são os mais
velhos, no excecionalismo do dia natalício depressa metido no alfobre do
esquecimento.
Expliquem aos mais novos que este é um
dia de tronos ilusórios. Acabado o dia, é como se uma página do tamanho de um
livro fosse dedilhada sem voltar a respirar, tudo se afigurando como a antítese
da véspera. Expliquem, se quiserem ser penhores de um realismo irremediável,
que mais vale fazer de conta num dia e regressar à absurda condição humana dos
demais dias do ano, do que assim continuar na totalidade do tempo. Ensinem:
pode ser que um singelo dia seja modesto triunfo no lagar do otimismo, mas que seja
um precedente não esgotado na boa-vontade dos homens. Os mais novos não podem
ser desviados das boas facetas que restam à condição humana. Por mais adverso
que seja o palco.
Se o natal tiver tamanho préstimo, não é
proeza irrelevante. Mesmo que seja um campo minado, engalanado pelos enfeites e
pelas luzes feéricas que emprestam deslumbramento ao natal. Que se abra a
janela de uma alvorada fresca, despojada de mastins famélicos, uma alvorada
pronúncio de um dia essencialmente soalheiro.
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