LCD Soundsystem, “Call the
Police” (Live on Later with Jools Holland), in https://www.youtube.com/watch?v=ORGpezG5-Jc
Devo ter um problema com o corpo. Será
fraca autoestima – ou outros preconceitos que um psicólogo encartado trataria
de encontrar justificação no almoxarife da infância. Exige-se reformulação, por
imperativo de rigor: tenho um problema com a exposição pública do corpo. Ao
ponto de não considerar, sequer em académica hipótese, a possibilidade. Não a
considero em praias de nudistas (sem ter objeções ao nudismo). Não a considero,
sobretudo, no viçoso modismo de arranjar um conjunto de castiços (ou castiças)
convencendo-os a perfilarem a nudez em fotografias com o propósito de serem
publicadas em beneméritos calendários.
Não me passa pela cabeça saber que
olhos que não conheço se passeiam pelos pedaços do corpo meu desnudados em artística
fotografia. À ideia vêm os ávidos recolectores de corpos alheios, imersos na
curiosidade de mapear esses corpos, atirando o olhar desmesurado para cima dos
pedaços de corpo expostos em semidesnuda fotografia. É uma imagem-pesadelo. Dirão:
mas um corpo é apenas um corpo, a parte meramente corpórea, o material inútil
como coisa tratado quando somos cadáveres. E mais dirão: pois não é do
contemporâneo mundo aceitar-se como inevitável a coisificação do corpo, dado
como mera coisa aos prazeres dos outros?
Será tudo isso – e tanto mais que
quisermos para obnubilar a carga negativa da exposição dos corpos em sua nudez.
Pouco disso me interessa. O corpo que trago em mim só a mim diz respeito. E por
mais notável que fosse a obra de beneficência, ou o objetivo filantrópico, que
resultasse num convite para a exposição de partes nuas do corpo, diria não. Nem
serve de contemporização aduzir-se a espátula de que todos somos mirones dos
corpos nus que nos aparecem, propositada ou inadvertidamente, à frente dos
olhos. Muito menos aceitarei tratar-se de incoerente bitola: não sinto nada
quando os corpos outros são por outros espiolhados. Não poderia dizer o mesmo
se o meu fosse o alvo. Não o ofereço como semelhante dádiva contra meu pesar.
Também poderão alegar, em favor do voyeurismo ao contrário (que é aceitar
emprestar os corpos seminus a fotografias), que as pessoas estão reféns do
hedonismo e as carências de autoestima têm o efeito paradoxal da mostra pública
de corpos. As pessoas sentem-se bem a mostrar o corpo, sentem-se confortáveis
sabendo que são espiolhadas meticulosamente por olhos incontáveis. Estão no seu
direito. Nada contra o moderno narcisismo. O que não me coloca como candidato
ao modismo.
Devo ter um problema com o corpo, por
conseguinte. É isso, ou a importunação da vaidade própria que é a levedura do voyeurismo do avesso.
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