Tricky, “Wash My Soul”, in https://www.youtube.com/watch?v=OpDJ8KRzV_s
Eram os profetas do passado que se
orgulhavam de tudo adivinhar. Eram quase tão bons como os historiadores. Os fenómenos
presentes escapavam à sua compreensão, contudo. Talvez por permissivo conhecimento
das ciências, julgando que os lugares-comuns eram património suficiente do
conhecimento. Por exemplo: não sabiam do fogo que arde sem o testemunho do
olhar.
Há combustíveis com esta propriedade (o
metanol). E os profetas do passado desconheciam que há velas que ardem sem mostrarem
um fogo. As velas que são uma combustão interior, inteira, insubmissa a regras.
Velas sublimes que orquestram a singularidade das palavras vindas com a lava
emergente, a lava onde se terçam os sentimentos de que palavras prolixas não
conseguem ser retrato fidedigno. Alguém tentou explicar aos profetas do passado
que velas assim não se explicam, não se emolduram em retratos. Não passam pelo
crivo do olhar mundano. São minaretes da extravagância dos sentidos, como os
sentidos são na sua plenitude: sensíveis, apenas sensíveis, imunes à contaminação
de palavras que ousem captar deles uma descrição.
Não há razão que combine com os
sentidos que confluem nas velas sem fogo. Não precisa de haver. Pois por dentro
de tais sentidos, a razão perde significado. Os profetas do passado desconhecem
isso. Têm de intuir uma racionalidade; caso contrário, tudo perde significado,
despojado pela sua grelha de análise. De certeza nunca empunharam velas que
ardem sem mostrarem fogo. Diriam, ato contínuo, em serventia da totalitária
racionalidade em que se banham, que velas assim são penhores de um fogo fátuo
(concediam, com um módico de generosidade). E que os fátuos fogos perdem o
pergaminho de fogo. Talvez um poeta os convencesse. Se os profetas do passado
soubessem da existência da poesia, para eles uma linguagem inconcreta, mergulhada numa gramática não convencional, que a sua
hermética racionalidade não consegue ler.
Um dia, um dos profetas do passado
tergiversou nas convicções. Tresmalhou. Pouco se importou que os da casta
(dir-se-ia: antigos companheiros) o tenham acusado de heresia. Desacreditou os
cânones da racionalidade, mudando-se para o paradigma das interrogações
constantes sem penhor necessário das respostas. Aprendeu a empunhar uma vela
sem fogo. Antes tivesse sabido antes: o sono era agora um mar sereno e os
sobressaltos do conhecimento desafiado (sem a hombridade de o admitir) perderam
significado.
A vela sem fogo não chegara a destempo.
Nada é a destempo quando vamos a caminho de reconhecer a mudança dos esteios.
Sem comentários:
Enviar um comentário