18.12.17

Sobre o estatuto do arrependimento


Destroyer, “Tinseltown Swimming in Blood”, in https://www.youtube.com/watch?v=h-N6jfO5NOQ    
O arrependimento consome-se por dentro. É matéria volúvel: o que traz o arrependimento, na extremidade em que se debate o seu desfecho, é como o ar que se procura reter nas mãos. Tem o sabor de um beco sem saída, com o embaraço de fazer acreditar os arrependidos que o arrependimento é solução para desfazer o que motivou o arrependimento.
Quase sempre, os arrependidos lamentam-se. Lamentam equívocos, decisões, palavras ditas, atos de que outros foram vítimas, atos que vitimaram os próprios, o que deveria ter sido feito e caiu na omissão. Mas o arrependimento não faz o tempo recuar às vésperas do acontecimento que, mais tarde, dá corda ao arrependimento. Talvez seja mero expediente para os arrependidos confortarem a consciência desassossegada. Ou para mitigarem as culpas interiores que os mortificam. Todavia, o que ficou lá atrás, e causou danos ao ponto de atiçar um arrependimento, não se apaga da cartografia das memórias.
Outras vezes, os arrependidos convencem-se que beneficiam da indulgência dos que foram suas vítimas. Se os incomoda tamanha maldade e cobiçam redenção, suplicam por perdão, oferecendo-se como vítimas sacrificiais no altar de um arrependimento. Assim acontece quando os arrependidos ficaram conhecidos por se acharem no centro do palco, com todos os holofotes sobre si vertidos – como se fossem a centrípeta peça humana do mundo inteiro e todos os restantes fossem arquipélagos dele dependentes. A ostentação da notabilidade (construída por dentro e a esse dentro se limitando) exalta uma imagem de si mesmos que não tolera a humildade. Muito menos a humilhação consequente a um arrependimento. Talvez já não vão a tempo. Pouco interessa se o arrependimento tem sementeira nos destinatários que querem conhecedores do arrependimento; tudo se resume a um ato de autocontemplação. Só querem saber que lavraram o auto do arrependimento. O resto, está fora das suas cogitações: a indulgência é um ato da vontade exterior aos arrependidos.
Não importa saber se o arrependimento é genuíno, ou se é uma patranha para atingir outros propósitos. É sempre uma inutilidade. Uma consumição de tempo, na exata medida do tempo consumido a elaborar o guião do arrependimento. Pois o tempo, como o húmus das coisas em que medrou o arrependimento, não faz intenção de recuar. Não há recompensa possível. O arrependimento é apenas um astucioso remendo. A fazenda, já rota antes da formulação do arrependimento, continuará rota. Com ou sem arrependimento.

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