Metz, “Cellophane”, in https://www.youtube.com/watch?v=qPG2aQXeZoM
Como os soldados são treinados: olhos
bem abertos, espreitando por todos os ângulos, olhos abertos até a dormir. Nunca
se sabe. Nunca se sabe quando se tropeça num contratempo. Dirão: os
contratempos são sempre inesperados – ou não seriam contratempos. Nada podemos
contra o poder avassalador dos contratempos. Somos apanhados por uma maré que não
conseguimos domar. Reagimos, apenas. Mesmo nesse caso, os olhos discernidos
ajudam a moldar as mãos à lava dos contratempos. Não podemos dizer que não estamos
preparados. Mesmos quando não sabemos de onde são bolçados os contratempos e
quando chega o tempo de sermos atingidos por eles. É um estado de precaução
geral. Como os soldados.
Contudo, nestes preparos somos tomados
por uma desconfiança metódica que açambarca o modo de ser. Talvez não seja boa
ideia estarmos diligentemente de atalaia, como os soldados. Até porque não
gostamos de soldados e repudiamos o estilo castrense. Talvez seja da desusada
comparação. Pode-se usar outra, esvaziada de militares conotações. Apenas um
zeloso pé atrás para não irmos depressa de mais com os dois pés juntos se um
precipício surgir de repente e já não houver tempo para travar. Combina-se o
estiolar dos sentidos com a angústia da exposição ao inesperado. Não será mau
critério. Ou talvez não: na medida em que estamos perenemente com os sentidos em
alvoroço, como se à espera de uma tempestade estivéssemos, mesmo em estando
despejado de nuvens o céu por diante.
Há quem não saia de casa. Há quem tome excessivas
precauções, como se através delas se abrigassem dos contratempos escondidos da
agenda. Não será melhor critério. Estarmos sitiados pela sensação de apoplexia
a gotejar na pele, não é recomendável. Como ficou formulado atrás, ficamos
açambarcados pela diligente atalaia, com a vontade refém do que a ela não diz
respeito. Passamos a ser um eu coberto pelo medo. Esta castração não impede,
nem previne, sobressaltos inesperados. Continuaremos a ser suas vítimas, ao
acaso.
Não há seguros que acautelem a incontingência.
Antes sermos figurantes do mundo e das suas circunstâncias, do que peões
estremunhados e de vontade contrafeita na volúvel ocorrência dos contratempos.
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