Explosions in the Sky, “The Ecstatics”, in https://www.youtube.com/watch?v=iOwOUvdmsn8
Podiam ser os arrozes puídos a desembelezar as coisas próximas. O nevoeiro arrastava-se para horas impróprias. Era de propósito: enquanto o nevoeiro estivesse hasteado, só deixava ver as coisas pela sua volumetria baça.
Era parecido com os comportamentos que fervilhavam de bandeira em bandeira, soezes e boçais, atirando toda essa gente para o estirador contra a sua vontade. Não havia como fingir. Na coutada de um arsenal implacável, insinuavam-se entre os poros da pele recolhida, como se fossem mastins a roer os ossos.
Disseram, em tom paternal de conselho: deixa-os a falar sozinhos. Eles desmatam a sua própria indigência, almas errantes que porfiam os dias tauxiados nos mais fundos interstícios da pele – como é mester dos parasitas. Saberiam os conselheiros que de tão embebidos na carne podia ficar contagiado pela boçalidade e ser tão canhestro e pária como eles?
Recusou o conselho. Temia que os efeitos secundários não demorassem e acordasse o que sempre odiara nos outros. Tinha de contra-atacar. Enviou a convocatória: estavam suas excelências convidadas a comparecer no adro da igreja ao anoitecer, aproveitando a solidão a que destinam o adro quando as pessoas se encomendam à preparação do jantar. Podiam vir quantos quisessem, um exército inteiro. (Pensou em voz interiormente sussurrada; não o disse de viva-voz para não emprestar trunfos aos canhestros.) Havia de lhes dar com a alma com tanta força que se extinguiriam na bruma caudalosa deixada à sua passagem.
No dia combinado, a alma estava pronta a ser arremessada. Os demónios disfarçados compareceram em número assinalável. Podia ser pior se fossem mais. Alguns atiraram uma salva de boomerangs. Eram espertos: se não fosse atingido, os boomerangs regressavam à casa da partida (quem inventou os boomerangs estava na vanguarda da economia circular). Não se intimidou, desviando-se criteriosamente, com a destreza de um acrobata, de todos os boomerangs. Contra-atacou: atirou-lhes pedaços da alma que estavam em cultura, investidos com a diligência de quem pressente ter de se defender com a própria alma.
Os mastins ficaram azamboados. Não estavam habituados a almas, não sabiam o que era ter uma. Cada grama de alma atiçado na sua direção enfraquecia-os, ficavam macilentos. A alma tinha uma qualquer propriedade que atuava como veneno que quebrava os vultos enraivecidos. A alma derrotista enfim tinha serventia: derrotara os mastins que mordiam nas canelas e queriam colonizar cada átomo da pele, e depois a carne restante, até deixar de ter alma, devorando-o de dentro para fora.
Acabaram por provar do próprio veneno, os desgraçados. Deles não reza o passado.
Sem comentários:
Enviar um comentário