12.2.25

Como aprender a respirar dentro de água

Hinds, “Boom Boom Back” (live), in https://www.youtube.com/watch?v=x1LAIfWNWpM

Barbatanas a jeito, óculos em riste, que a água pode ferir os olhos e o olhar clarividente não é dispensável. Lugar escolhido: o mar salgado, nunca teve empatia com águas doces. (Ao contrário, na gastronomia é um doceiro nato.) Não é um certame, mas não deixa de ser um desafio: mergulhar nas profundezas do possível (ou nas possíveis profundezas, o que alcançar primeiro) e hibernar subaquaticamente, sem precisar de treinar a apneia, sem levar oxigénio a tiracolo.

Lacrado o desafio em papiro solene, começou a pensar na empreitada. Respirar debaixo de água é para os peixes. Há humanos que se especializam na apneia, treinam a respiração para se aguentarem debaixo de água sem respirar. Há pescadores no Japão que conseguem aguentar um tempo impressionante, e muitos deles são septuagenários. Os corpos adaptam-se aos desafios do meio que os envolve. 

Mas não era de apneia que se tratava. Tinha sido desafiado a respirar dentro de água, como os peixes conseguem. As vozes, em surdina, não paravam de dizer, em registo ululante: “tu consegues, tu consegues! Manda-te ao mar, vai lá para dentro e respira como os peixes, respira dentro da água, não sejas covarde.” Ao início, desconfiou que as vozes lhe queriam mal. Não temos guelras como os peixes, respirar no meio subaquático era catastrófico, os pulmões encher-se-iam de água e a morte estava acertada.

Ou então, era só um pesadelo. Desfilando com o vagar próprio do meio subaquático, os corpos paulatinos como são os dos astronautas quando desfiam a gravidade zero. As pessoas respiravam, falavam com os peixes, mercavam impressões como se a linguagem fosse a mesma. Ninguém tinha a pele encarquilhada: talvez àquela profundidade a água escondesse uma característica que desenrugava a pele. Ainda alguém há-de ir a tempo de descobrir o secreto nutriente que preserva as células da pele e a desenrugam. 

Aprender a respirar dentro de água era um pretexto para encontrar um elixir da juventude para a pele. A menos que este fosse um sonho suicida e o mar não aceitasse o tirocínio dos humanos a respirarem dentro de água: era como se uma autoridade anti-concorrência fiscalizasse os mares, impedindo os humanos de concorrerem com os peixes dentro de água.

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