4.2.25

Pudim, pó de pudim, e não antraz

Nilufer Yanya, “Hey” (NTS Session), in https://www.youtube.com/watch?v=6EqGhU7U2H8

Ativem os alarmes, decrete-se o estado de emergência, com suspensão de direitos a preceito. Soem as sirenes para os cidadãos ficarem de atalaia. Corram os castrenses aos quarteis e tomem toda a artilharia inventariada nos arsenais. Faça-se regressar os espiões que estejam em serviço em terras forasteiras. Informe-se os reservistas que passaram ao ativo, a emergência nacional assim o justifica. Suspenda-se o parlamento, as demais instituições e a democracia, concentrando toda a autoridade nas armadas forças e nas polícias. As televisões só podem passar música marcial, entrecortada por boletins noticiosos lidos por jornalistas ao serviço das autoridades dando conta da evolução dos desacontecimentos. A população deve aguardar no interior das habitações até ordem em contrário. Suspendam-se as artes até ser reposta a normalidade. Os cidadãos que aguardem com paciência até ser definida a normalidade.

Pausa para respirar fundo – muito fundo, uma quase apneia ditada pela demora em enformar a paciência no devido lugar.

Foi falso alarme. As instituições possivelmente tinham sido atacadas por um pó possivelmente letal guardado dentro de envelopes devidamente anónimos e possivelmente sem impressões digitais para apurar identidades possivelmente deixada ao acaso do anonimato. No mesmo dia, como se o correio tivesse sido meticulosamente invadido por um ataque concertado às instituições, à democracia, ao poder do Estado, à segurança dos cidadãos, à estabilidade assim hipotecada. O pó, guardado dentro de saquetas escrupulosamente iguais de tamanho e peso, estava exposto diante da brigada perita em agentes nocivos, dos cientistas doutorados em venenos e afins, dos especialistas em “terrorismo híbrido”, de um ou outro diretor-geral enviado em representação dos ministros diligentemente reservados num bunker(dizem) à prova de armas nucleares e catástrofes com o pior dos apocalipses incontidos. Todos lividamente à espera do mais corajoso para abrir um invólucro e testar o conteúdo.

Foi: falso alarme. O pó não era uma substância letal, terrificamente deformadora dos corpos a ela expostos, uma morte terrível (dizem os peritos). Não era antrax, ou coisas ainda piores que os agentes do apocalipse andam a congeminar. Era apenas preparado para pudins instantâneos, com sabor a baunilha.

O primeiro-ministro, com o ar solene e grave e, ao mesmo tempo, aliviado, veio a público informar que a normalidade estava restabelecida. Censurou com veemência os desordeiros de serviço, avisando-os que seriam identificados e levados ao pelourinho. Pois não se brinca com coisas sérias, disse, para gáudio dos prosélitos da normalidade. Possivelmente aliviados, estes, por não serem submetidos a demorada anormalidade castradora de direitos. 

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