Beastie Boys, “Sure Shot”, in https://www.youtube.com/watch?v=JhqyZeUlE8U
As expressões idiomáticas cristalizam expressões que se popularizaram na fala popular e que recorrem a figuras de estilo ou a diligentes jogos de palavras. São o menor denominador comum que facilita a comunicação da comunidade; quando alguém diz “não sair da cepa torta”, os destinatários sabem do que se está a falar: muito embora a cepa não seja identificada, só de se saber que é torta é revelador de alguém que não medra além da mediocridade. Ao menos podiam identificar a cepa – é “autóctone”, é importada, resultou de em enxerto?
As “forças vivas” fazem parte das expressões idiomáticas. A expressão participa de um sentido aristocrático que ainda trespassa a sociedade e os códigos semânticos que cimentam a comunicação entre as pessoas. Um eufemismo de “forças vivas” remete para aquele escol que se faz conhecer como “notáveis”. Quase sempre, o reconhecimento deste estatuto parte dos próprios, ou de alguém que é nomeado seu testa-de-ferro. Não devia ser credor de reconhecimento público.
Quando a expressão “forças vivas” é usada, querem-nos convencer que as pessoas que coabitam no oráculo das “forças vivas” são as que inovam, as que carregam os demais às costas por serem visionários, ou apenas as que catalisam vontades. Querem-nos convencer que estes “notáveis” são as locomotivas da sociedade, os átomos em constante frémito que transmitem a energia heurística de que a sociedade precisa para não ficar condenada à letargia.
Se estas são as “forças vivas”, os anónimos, que são a vasta maioria, estão excluídos das “forças vivas” e constituem, por antinomia, as forças mortas – ou, sendo generoso no tratamento, amortecendo o mal para se tornar num mal menor, as forças amorfas. Não é um tratamento digno da retórica de igualdade que a filosofia política entronizou e que os procuradores da política progressista cuidaram de elevar à condição de dogma. Alguém devia denunciar o atavismo da expressão “forças vivas” – da mesma maneira que deviam peticionar a favor da extinção do bolo-rei (não da iguaria, mas do seu nome).
A colonização da semântica por termos aristocráticos não condiz com os tempos modernos e desempoeirados em que vivemos. Abaixo as “forças vivas”, longa vida às “forças mortas”!
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