Sharon van Etten, “No One’s Easy to Love”, in https://www.youtube.com/watch?v=cBBRTiE4p0s
Andrajos remexidos na vertigem do tempo, como assombrações que conduzem os navios e os levam, errantes, contra o império dos ventos dominantes, contra a vontade orquestrada na praia-mar do destino.
Conspiradores que não sabem o que fazer do tempo, a não ser emagrecê-lo.
Tiranetes disfarçados de querubins, com asas e tudo, e um rabo de palha tão extenso que lá caberiam os habitantes da pequena cidade encavalitada no dorso do demónio, choram convulsivamente bebendo as lágrimas que escorrem dos olhos até à boca para alimentar a hipocrisia que os apascenta.
Vulgares vozes curtidas pela ignorância despejam saliva fétida para cima de recém-nascidos, antes que eles retardem a prescrição da inocência e o mundo se arrependa da sua linhagem.
Forcados em desespero vociferam pregões gastos enquanto os déspotas costuram as bainhas da angústia.
Sereias espalmadas, como se fossem chicotes à espera dos degredados, embebem-se nas manhãs arrependidas enquanto os olhos insaciáveis respondem às preces limítrofes.
A salva desenferrujada da prata consumida, adornada por espelhos que não deixam mentir, está sempre de atalaia.
A procissão de mentiras é o medicamento contra a inviabilidade do mundo.
Há vozes que tartamudeiam idiomas sobrepostos e as pessoas fogem da solidão que se acastela quando a noite beija o céu.
O propósito é questionado, como se as peças se movessem no tabuleiro com o repto da imortalidade, o equilíbrio precário que não deixa o corpo despenhar-se no vazio.
Às mãos que procuram mãos, a nunca inútil demanda perfumada pela voz cavernosa que murmura os segredos que pressentem o carinho.
As bandeiras içadas no avesso da madrugada, soltas como antídotos contra os sobressaltos telúricos.
Poemas, sempre poemas, a gramática gorda disfarçada na lhaneza das palavras, como étimo dos povoados de onde foram exilados os déspotas.
Provérbio como refúgio, ou apenas o eufemismo da banalidade – e quem deixa de ser colonizado pela auto-organização do pensamento para evitar, com critério, o recurso aos provérbios?
Aos inúteis: que não disfarçam a sua condição e amoedam a humildade no constante avesso dos príncipes que esgotam o stock de tolerância.
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