14.2.25

O dia dos namorados segundo o profeta do desamor

The Comet is Coming, “All That Matters Is the Moments”, in https://www.youtube.com/watch?v=7KfenRxWWnY

Digo já: por mim, o calendário saltava de treze para quinze de fevereiro. Ajudava-me a saltar o dia dos namorados, esse interminável cortejo de exibições de amor pueris, ou do amor que não passa de um exercício laboratorial (como uma artificial encenação que encerra). Saltava a data para não ser agredido pela impostura dos que celebram o que não praticam, ou que confinam a celebração a esse dia porque o amor anda esquecido nos outros trezentos e sessenta e quatro dias.

Digo já: nunca fui pinga-amor, nem sou bota-de-elástico ao ponto de ter de disfarçar a inveja. O desamor que me abraçou dispensa a liturgia da efeméride. Prefiro não ser acusado de olvido da celebração, quando devia ter marcado mesa num restaurante que parece o casting de uma comédia romântica de quinta qualidade, ou adquirido a peça de lingerie que combinaria com a noite especialmente reservada num hotel especialmente de charme, ou que me esqueci do bouquet de flores, ou do frasco de água de colónia evocativa dos íntimos laços que exigem a demorada genuflexão que é outra maneira de aderir ao encantamento dos comerciantes, sempre na linha da frente na organização do dia mundial disto-e-daquilo só para arranjar um pretexto para convencer os alineados pelo consumo a engrossarem a patologia. O dia dos namorados é um franchising do comércio ávido de patos.

Aviso já: não me atirem o opróbrio da inveja pelo estado geral de enamoramento que adultera o ambiente com um céu exuberantemente cor-de-rosa. Por conta do meu cadastro, padeci umas quantas vezes no ninho do amor, que se transfigurou num antro de terrores que me trouxe à correspondência entre amor e pesadelo. À conta do proverbial desligamento do mundo (eu, que não sei quem é uma personagem chamada Bruno de Carvalho), fui vítima de iracundas reações por ter omitido os deveres amorosos que devem ser ativados, sobretudo, no dia que falsamente convoca a celebração do amor. Depois disso, fiquei noivo do desamor e vesti a definitiva viuvez do amor.

Era só um favor que me faziam, se saltassem de treze para quinze de fevereiro, para espantar a ausência de nostalgia que me coloniza quando sou testemunha dos juvenis devaneios de não juvenil gente aprisionada à tirania da data convencionada. Para misérias humanas, passo os olhos pelas páginas dos jornais ansiosamente à espera de preciosas prédicas de cronistas iluminados, com quem aprendo a defender o contrário do que escrevem – ou os olhos e os ouvidos contrariados por um artista da nova vaga que reabilita uma qualquer canção de protesto enquanto ergue o punho fechado sem saber de História das ideias políticas. 

Ao menos, aí, não há desamor que seja ameaçado pelo espectro do amor.

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