The Chemical Brothers, “Block Rockin’ Beats”, in https://www.youtube.com/watch?v=iTxOKsyZ0Lw
Este cheiro constante a manicómio abate-se sobre a pele. Esse odor fica entranhado. Não me conto à conta dos naturais e contranaturais utentes de um manicómio. O pior é que se fala de autênticos orates; se fosse uma loucura apenas irresponsável, não desligada de alguma lucidez, uma loucura afinal sensata, o exílio necessário do ar irrespirável que asfalta os poros e arremata uma pertença insuportável, seria uma loucura afinal responsável. Uma metáfora de loucura que não dá direito a internamento preventivo num manicómio. A loucura como válvula de escape de uma loucura de piores proporções.
E, todavia, todas as engrenagens estão colonizadas por grãos de areia que exsudam a loucura maniqueísta, a loucura tremenda que se enraíza nos ossos até nos desumanizar. Talvez sejamos todos loucos. E aspiremos à finitude apenas enquanto somos titulares do tempo por conta. Fica por dizer: somos todos para sempre – e não se adultere a oração, pois o sempre só tem validade enquanto tivermos posse da vida. O sempre que permanece depois de as cinzas serem depostas no lugar prometido é um sempre sem lugar. Dizê-lo não é manifestação de loucura.
Somos meros figurantes no concurso demencial que participa dos dias. Sem sermos fiéis depositários dessa loucura, que se incrusta na medula como agente adormecido que porfia nos seu efeitos, que nos encomenda para uma hibernação não reconhecida. Cruzamo-nos uns com os outros com a indiferença tatuada no rosto. Só reconhecemos os loucos oficiais, os que habitam em manicómios. Não admitimos a concurso todos os outros que não foram convocados para o manicómio mas são cúmplices agravados da loucura instalada. O silêncio ativa a cumplicidade. Podemos ser todos loucos por omissão.
Melhor seria se não disfarçássemos. Sobre-humano é o esforço para fingir a loucura, ocultando-a atrás de um véu puído que vai deixando à mostra uns fragmentos através dos rasgões que se abrem na fazenda. Somos todos os ovos de um mesmo cesto, tributários da mesmice castradora que entranha os agentes ativos da loucura. Mas não sabemos. Ou fingimos que não sabemos, com a altivez de quem se leva muito a sério e fica sozinho a reconhecer a iconoclastia que floresce exuberantemente. Não sabemos: essa altivez é a contraprova da demência que é o agente genético da espécie. Ovos da mesma espécie, apodrecemos enquanto fingimos a nossa decadente exuberância.
O mundo, esse, é um manicómio único, com a extensão do mundo inteiro.
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