The Cult, “Painted on My Heart”, in https://www.youtube.com/watch?v=Ctyh2B3-I-0
A boca traduz o belo livre do medo. Fala com a impedância da carne que se move como se resistisse ao naufrágio. Emerge noturna, pede à noite para ser sua testemunha – há que cuidar das palavras emolduradas, para memória futura (só para memória futura, sem ser para retaliações). À volta, as pessoas tartamudeiam os embaraços que as impedem de espreitar pela escotilha. Dizem que as vergonhas são como um castigo que se abate só para domar o que podiam ser as forças irrefreáveis, talvez a antítese do que as pessoas querem são gregárias. Não se diga que a coesão é o aval do arrependimento. O que se bebe do futuro fica por conta da sua verosimilhança. Dos anéis puídos que exauriram o ouro enquanto o luar embaciava os olhares anestesiados. O rosto macio oferece-se ao beijo. A boca não pode recusá-lo. Se não fossem estes pequenos gestos, não saberíamos tratar a grandeza por tu. As homenagens são dispensáveis: o que vem às mãos não é um corpo estranho, a malignidade do que se sente como forasteiro, quando o forasteiro soa a intruso. Os ossos descem pela coreografia que precede o dia caudaloso: a inspiração é uma sinédoque que toma conta do tempo, substituindo os dias por pactos sem a usura das convenções. O ar respirável não é o mínimo denominador comum; em cada gesto dócil sobem os verbos hauridos no idioma baço, convocam o beijo ideal que coloniza o palco onde as palavras se tecem sem animosidade. Abre-se a janela e o vento desorganiza o calendário, as páginas agitando-se como se quisessem soltar das algemas do tempo. A mão levanta-se para aconchegar o rosto adormecido. Com as pontas dos dedos, desenha palavras sortilégio. O tempo exila-se. E a boca ajusta o beijo que aquece o rosto. Com as sílabas emprestadas pelo vento.
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