20.4.04

Na análise económica como nas análises clínicas

Hoje um retrato de uma recente experiência profissional. Estive, na passada sexta-feira, a participar num congresso na Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra. O congresso tinha um tema abrangente: as políticas económicas no novo milénio.

No painel em que apresentei a minha comunicação dois dos participantes debruçavam-se, respectivamente, sobre o impacto da união económica e monetária na convergência económica entre os países da União Europeia, e sobre a evolução da política orçamental portuguesa desde 1870 até à actualidade. Esperava aprender com estas comunicações. Todavia as minhas expectativas foram defraudadas. A culpa é da tendência contemporânea da matematização da ciência económica.

O problema resume-se ao seguinte: a metodologia escolhida estava presa a inúmeros cenários alternativos que dependiam de incontáveis variáveis quantitativas. Como se fosse possível abstrair da rigidez dos números, como se houvesse uma ditadura dos números que desvendasse toda a verdade. Em ambos os casos, simulações e mais simulações, cálculos atrás de cálculos, sempre para chegar a conclusões pouco claras.

O que mais me intrigou foi a inexistência de conclusões claras, inequívocas. Os congressistas concluíram com a expressão inglesa “mixed evidence” – que é o mesmo que reconhecer que as ilações são incertas. Tanto tempo gasto nas estimativas para chegarem ao final do processo sem uma conclusão firme! Deve ser frustrante.

Por a economia estar tão presa aos ditames da matemática e da estatística é que se costuma, a título de anedota, dizer que onde há dois economistas há três opiniões diferentes sobre um assunto. Quando estava absorvido pelas simulações numéricas sem fim apresentadas por aqueles dois economistas, subitamente ocorreu-me a imagem perfeita para pintar o quadro a que assistia. Vi os economistas na dupla função de analistas clínicos e de médicos. Analistas clínicos porque foram eles que tiraram o sangue ao paciente (os dados estatísticos apurados). Foram eles que deram uma roupagem, no seu entender coerente, a estes dados.

Noutra veste, a de médicos, interpretaram os dados manipulados. Tentavam chegar a conclusões acerca da maleita de que padece o paciente. Mas sem apresentaram alguma conclusão definitiva, logo, sem aptidão para fornecerem a sua própria prescrição para a solução dos males identificados. No fundo, os economistas, tão dependentes dos excessos quantitativistas, pouco mais são do que analistas clínicos medindo o pulso ao doente. Raras vezes se aventuram na apresentação de soluções aptas a solucionar os problemas que afectam a economia. Presos à exactidão da matemática, acabam mergulhados num mar de incertezas. Eis o efeito paradoxal que a matemática transporta para a ciência económica.

O segredo está em reconhecer que a economia é uma ciência que deve assentar na observação da acção humana. Com todas as contingências que são trazidas à superfície pela subjectividade humana, o que basta para retirar o tapete à ditadura da matemática e da estatística, que teimam em impor-se no reino da ciência económica.

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