Tinha acabado de almoçar e as aulas só começavam ao fim da tarde. Tinha uma tarde de trabalho pela frente, com algumas tarefas agendadas para o computador. O tempo estava convidativo para espairecer a cabeça. A tarde ensolarada e a temperatura agradável endossavam o convite para sair do teclado do computador e dar uma saltada até à beira-mar. Apetece sempre mais quando somos bafejados pelos primeiros dias de sol aquecido depois de um Inverno longo, seja ou não rigoroso. Os poros pedem os primeiros raios de sol. Os olhos anseiam pela vista tranquila do mar que se espraia à frente do areal. A alma rejuvenesce com os primeiros ares de Primavera que chegam depois de um Inverno cinzento, chuvoso e frio.
Mudei de planos para as tarefas vespertinas. O trabalho que me esperava à frente do computador foi transformado no velho método do papel e da caneta. O pano de fundo era uma esplanada em frente ao mar, com a inspiração do sol que aquecia a pele. Quando me sentei na esplanada repousei a vista por uns momentos no quadro que a vista alcançava.
O mar, a areia, as rochas onde o mar se desfazia, inglório. O sol primaveril que pintava o horizonte marítimo em tons de prata. As pessoas que passavam, felizes pela sensação agradável de tirar o excesso de roupa que a longa invernia exigiu. Sobre a esquerda, duas adolescentes banhavam-se nas águas que imagino gélidas – ainda mais gélidas do que já são no tempo do Verão. Os seus namorados não foram acossados pelo estertor do primeiro banho estival. Estavam entretidos numa conversa animada, enquanto fumavam um cigarro. A espaços atiravam olhares furtivos às raparigas que estavam animadas na sua luta contra a água do mar.
A produtividade de quem desloca o seu escritório para uma esplanada ressente-se do quadro bucólico com que a vista se depara. Tem a vantagem do tónico retemperador que oferece como recompensa. Aligeira a mente e revigora as energias. Facilita a concentração. Mais ainda, a torrente de sensações a invadir os sentidos alimenta a inspiração para as palavras que eram alinhadas para um texto académico que me apanhou no meio do apelo para ver o mar e sentir o ar agradável da primavera.
Sobretudo o mar, esse inesgotável manancial de inspiração. O mar levemente agitado por uma brisa que soprava de norte. Sentia que aquelas ondas ligeiras, que penteavam o mar num enlevo desorganizado, entravam pela ponta da minha caneta como a força inspiradora das palavras que logo de seguida saíam para o papel. Como se o mar plácido, ali diante dos meus olhos, fosse a fonte de inspiração do texto que ia saindo da caneta. As palavras fluíam com naturalidade. Escapavam-se da caneta como se emancipassem de mim mesmo. Sentia-as jorrar com vontade, como se eu deixasse de ter controlo nelas. A compensação dada pela presença à frente do mar ultrapassava as pausas que fazia de vez em quando para me deleitar com o que os meus olhos observavam.
É nestes momentos que acredito numa harmonia desorganizada, sem arquitecto que seja o seu mestre. É aqui que bebo a inspiração divina para a existência. Tecendo louvores ao emprego que tenho, que me permite ter a flexibilidade de horário e a possibilidade de mover o meu escritório. Para me comprazer com os deleites oferecidos pelo luzente sol que chega até aos corpos sedentos de se libertarem da sombria noite invernosa.
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