Há uma árvore que é minha companheira todos os dias. Apenas por uns segundos, mas já a tenho como familiar da rotina diária. Não me perguntem o nome da árvore. Tenho que confessar que de botânica sei nada. A sua característica particular é que as folhas crescem para baixo. Como se fosse uma trepadeira que em vez de entrelaçar a folhagem e ramos nas paredes de um edifício verte a ramagem em direcção ao chão. Tal como se estivesse a prestar um tributo à terra onde se alicerçam as suas raízes.
Por estes dias de primavera, em que a natureza rejuvenesce, que as flores desabrocham e as folhas nascem viçosas do exílio invernal, notei que as folhas daquela árvore começaram a crescer a um ritmo acelerado. Dia após dia, estavam cada vez mais próximas do solo. Nos últimos dias estava tão guedelhuda que me penteava o cabelo.
Hoje deu-me os bons dias de cara lavada. O barbeiro tinha ido até ela, tal como nós, homens, periodicamente fazemos para nos livrarmos dos excessos capilares que nos desfeiam. Não que o excesso de folhas, na sua corrida vertiginosa para o solo, trouxesse fealdade a esta árvore. Estava apenas mais desgrenhada, como uma mulher selvagem que surge do nada com longos cabelos caoticamente desajeitados após um banho. Daquelas belezas singulares, que trazem um sopro de mistério. Um jardineiro zeloso, ciente de que aquela árvore começava a causar mal-estar aos passeantes, tratou de lhe tirar o excesso de folhas.
A poda foi meticulosa. Ainda à distância vi que a árvore estava diferente. A poda foi feita com uma precisão milimétrica. Um corte perfeito. Parecia que o jardineiro tinha andado com régua e esquadro, a congeminar o corte para emperaltar a árvore como se ela fosse para uma ocasião solene da melhor estirpe. O exercício trouxe aos meus olhos um resultado curioso. Aquela não era uma poda normal. Não uma daquelas podas em que os ramos crescem na vertical, espetando os seus dedos em direcção a um céu inalcançável. Nem uma poda que subtrai as ramagens que crescem para os lados, como um marido descuidado que consulta com mais frequência o frigorífico, e assim cresce para os lados.
Não, a poda da árvore minha companheira era diferente. O corte foi feito de baixo para cima. Foram-lhe retirados os excessos que ameaçavam tocar o solo se nada fosse feito pelo competente jardineiro. A imagem era estranha. O que antes era um conjunto de folhas que desordenadamente crescia em direcção ao solo, como pontas desalinhadas de um cabelo feminino, era agora a harmonia absoluta. Um corte na rasante, uma linha horizontal que traçava um limite inferior à ramagem da árvore. Vista de longe, a árvore parecia agora a aba de um chapéu.
Não pude resistir a uma imagem que me assaltou. Fosse este exercício a decapitação dos excessos capilares que os ares bonançosos trouxeram àquela árvore, e a comparação surge inevitável: maldita primavera, que trouxe a decapitação de certos figurões que enxameiam a política e o futebol, lançando as sementes para a pérfida cumplicidade entre política e futebol, e futebol e política. Também aqui, uma tentativa de poda. Que não se fique pelo intróito e vá longe. Que todas as árvores que têm braços tentaculares sejam extirpadas dos excessos de influência e das artimanhas que falseiam resultados e provocam uma infindável concorrência desleal. Estas árvores estão a mais, necessitam de ser tiradas do bosque.
Coragem e competência são os atributos que se pedem nos jardineiros de serviço.
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