Ao ler um livro que saiu há pouco tempo (Vítor Bento, “Os Estados Nacionais e a Economia Global”, Almedina, 2004), fui ao encontro de reflexões que me colocam em rota de colisão com o autor. Bento procura explicar a natureza social do ser humano com a clarividência de se afastar dos excessos colectivistas que no passado tiveram os resultados trágicos que são conhecidos. Mas também rejeita o individualismo, pois cada pessoa só consuma a sua existência num inevitável processo de sociabilização.
O autor considera que “(…) o homem é, na sua individualidade, um ser absolutamente único e diferenciado, dispondo de uma vida interior própria e potencialmente exclusiva, mas que não pode realizar-se, como ser humano, sem ser em comunhão, física e espiritual, com outros homens”. De acordo, cada indivíduo tem uma vida própria, que nos seus mecanismos vitais não depende dos outros. Este é um excelente ponto de partida para reconhecer o individualismo como a essência do ser humano.
Discordo de Bento quando afirma que “os homens tendem a agregar-se, natural ou racionalmente, através do reconhecimento de características e interesses comuns, que identificam um sentido de pertença partilhada, numa identificação demarcante, entre “nós” e os “outros””. É esta socialização forçada que nenhum indivíduo pode combater: “ao nascer, o indivíduo surge já inserido em várias pertenças – família e comunidade política, pelo menos – tendo atrás de si uma história e emergindo num conjunto de circunstâncias culturais que ajudarão a definir a sua identidade, a moldar a sua própria personalidade (…)”.
Aceito que somos influenciados pelo ambiente em que crescemos. Daí a retirar ilações quanto à socialização forçada do indivíduo parece-me um trajecto excessivo. Os sinais de aculturação e de identificação social, enviados pelo ambiente envolvente, não podem ser entendidos como a prova de uma necessária socialização. São, apenas, dados incontornáveis da vida de cada pessoa, que inevitavelmente tem que contactar com outros para subsistir emocional e materialmente.
O que não é mesmo que reconhecer que somos necessariamente seres com propensão social. Quando se afirma que temos que viver em sociedade, porque de outro modo a nossa existência se depara com uma condição de impossibilidade, esta conclusão determina uma visão totalitária sobre cada indivíduo. Como se fôssemos empurrados por um crivo da socialização necessária, como se respirar, andar, ver, cheirar, tocar, comer, ler, beber, ou amar fossem actos que dependessem dos outros. Todos os exemplos que acabei de fornecer apenas dependem de actos individuais. Eu não respiro com os pulmões dos outros. Nem necessito das pernas dos outros para andar. Tão pouco como com a boca dos outros, ou faço a digestão com os aparelhos digestivos deles. Nesta altura estarão alguns a atalhar a questão: “como se vai ele desenvencilhar do amor?”
Para amar é necessário outro, com quem se partilha o amor. Mas quando amamos não o fazemos como resposta a um impulso interior? Não são determinadas características (de quem se ama) que nos levam a germinar o sentimento, pela identificação entre essa pessoa e certas características que possuímos dentro de nós? Amamos, é certo, para darmos o que de bom temos para benefício da pessoa amada. Este é, também, um acto de individualismo. Porque quando amamos alguém estamos, acima de tudo, a fazer bem a nós mesmos.
É neste contexto que, talvez sem dar conta das consequências das suas palavras, Bento vai ao encontro do meu individualismo metódico ao sublinhar que “uma vez que a existência humana é ontologicamente social, o homem não pode existir sem “o outro”, pelo que “o outro” faz parte intrínseca da sua própria existência. Daqui decorre que cada homem tem um interesse na existência de “o outro”, como parte da sua própria existência (...)”. (O destaque é da minha autoria).
Sem comentários:
Enviar um comentário