14.4.04

Um exemplo da inutilidade da política social

Esta reflexão vem a propósito da necessidade que o Estado (muitas vezes através das autarquias) sente para fazer intervenções sociais nas zonas mais carenciadas. Não vou julgar as modalidades que pretendem tirar estas pessoas de ambientes propícios à criminalidade. Não o vou fazer porque desconfio das boas intenções destes “engenheiros sociais” que se acham dotados de uma superioridade moral para impor comportamentos socialmente aceitáveis a outrem. E porque alguma desta criminalidade não o seria se a sociedade não insistisse em atribuir uma conduta socialmente negativa a certas práticas (consumo e comercialização de estupefacientes).

Interessa-me discutir as intervenções urbanísticas que visam reabilitar os bairros onde estas pessoas vivem. Bairros degradados com o desgaste inevitável da marcha do tempo. Mas também degradados pelo desmazelo dos seus habitantes, ou apenas por não atribuírem grande significado à preservação dos locais que habitam. O que faz o Estado? Investe na recuperação destes imóveis. Por norma, a intervenção fica-se pela reabilitação da fachada dos edifícios. Lava-se a cara aos edifícios, que ficam mais airosos. Por dentro as habitações continuam iguais ao que já eram.

Este é um exemplo de como a sociedade não devia empurrar o Estado (quando não é o Estado que o faz por sua iniciativa, sem consultar a sociedade) para uma intervenção que é inútil. A eficácia da intervenção devia ser medida através da utilidade que ela tem para os seus destinatários directos – os habitantes desses bairros. Parece que a utilidade por eles atribuída à conservação do exterior dos edifícios é reduzida. Quantas vezes, pouco tempo após a finalização da reabilitação, começam a ser visíveis sinais de degradação que não revelam descuido na empreitada mas apenas a incúria dos habitantes?

Ora se os verdadeiros destinatários não atribuem grande significado ao embelezamento exterior dos prédios que habitam, qual a verdadeira intenção desta intervenção do Estado? Há que convir que são actos que dão votos. Entre uma imensa massa de eleitores, que se revê nos problemas de consciência da “sociedade” se nada for feito para aliviar os focos de pobreza, cai sempre bem este tipo de intervenções. Imagina-se uma satisfação mais elevada das pessoas que vivem nos locais que são reabilitados. Mas, no fundo, o que se trata é das outras pessoas, as que têm uma arreigada “consciência social”, se sentirem bem com elas mesmas. Desoneradas do seu dever social de solidariedade para com os mais pobres, que é endossado para o Estado.

Na prática, o alindamento dos bairros degradados tem como destinatários os cidadãos bem posicionados com uma elevada sensibilidade social. São eles que ficam apaziguados com a sua consciência, quando os seus olhos privilegiados não dão de caras com os edifícios que transpiram fealdade e degradação.

Eis a dimensão da falácia. Afinal quem beneficia com esta ostentação da política social são os outros, bem colocados na vida, que sentem um nó na garganta por verem as condições de degradação em que vivem pessoas menos afortunadas. O que interessa é apenas o exterior, sem se dignarem imaginar quais as condições de habitabilidade das casas após a intervenção de reabilitação exterior. As consciências destas pessoas ficam agora tranquilizadas, os políticos que tiveram a “visão” de fazer a obra são recompensados pela recondução no cargo, e tudo continua a rolar normalmente. Nem que o dinheiro gasto tenha sido um simples desperdício.

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