Amanhã a União Europeia passa a ser constituída por vinte e cinco países. Oito países de leste e dois mediterrânicos aderem à União, num acto repleto de simbolismo histórico. Ignorar Chipre e de Malta, os dois pequenos países mediterrânicos, para me concentrar na essência geográfica deste alargamento – um alargamento a leste.
Trata-se de um encontro com a história, o ponto de chegada de uma reconciliação europeia que começou com a queda do muro de Berlim em 1989. Este alargamento representa o culminar de um acerto de contas histórico, um acto cheio de simbolismo ideológico. Testemunha a derrota da segunda vaga totalitarista que infectou a Europa no século XX. Depois dos regimes aparentados com o fascismo, vergados no final da segunda guerra mundial, a queda do muro de Berlim e a posterior desagregação dos regimes ditatoriais nos países da cortina de ferro deram o golpe de misericórdia nos totalitarismos comunistas que substituíram os fascismos vencidos em 1945.
Este é o alargamento mais ambicioso que a União Europeia alguma vez conheceu. Nos anteriores alargamentos nunca tinham entrado, de cada vez, mais do que três países. Agora são dez, de uma assentada, que se juntam aos actuais quinze. A União sofre uma engorda assinalável.
O mais significativo, porém, não é este aspecto quantitativo. Mais importante é olhar para o simbolismo do processo de alargamento. Reconhecer que a União Europeia se aproxima, a passos largos, da realidade geográfica que lhe dá nome. Cada vez mais a União Europeia se assemelha a uma grande casa europeia que congrega os países europeus. Num esforço de pacificação a que hoje não se dá muito valor, porque a última grande guerra já terminou há mais de meio século.
As gerações actuais não têm perdido o fio à meada do belicismo. Trata-se, contudo, de assomos episódicos de violência, controlados ao fim de algum tempo. Uma guerra em larga escala, como as duas guerras da primeira metade do século XX, apenas faz parte dos manuais de história, preenche o imaginário através de relatos romanceados em filmes e livros. Este fantasma está em hibernação, o que contribui para não se dar valor à paz reinante no continente europeu.
E, no entanto, essa paz é o produto da vontade de um conjunto de líderes no sentido da construção de uma casa europeia comum. Onde todos estão irmanados numa causa comum, onde as questiúnculas que no passado culminariam com facilidade numa guerra são agora resolvidas num clima de franca cooperação.
Este é o maior bem legado pela construção de uma Europa unida. Por isso estranho que haja alguns comentadores cépticos pelas possíveis consequências nefastas do alargamento para Portugal. É uma visão paroquial, demasiado curta para a compreensão do fenómeno do alargamento que desponta. Continuam presos ao seu umbigo, fiéis ao velho "orgulhosamente sós".
Quando Portugal aderiu à União Europeia, os então dez Estados membros também aceitaram fazer sacrifícios para que pudéssemos receber os generosos fundos europeus, uma ajuda preciosa para o desenvolvimento do país. Porque não adoptar a mesma postura, agora que outros países, quase todos mais pobres do que nós (Eslovénia e Chipre são as excepções), se juntam à casa comum europeia? Há solidariedade genuína quando apenas aceitamos ser auxiliados, mas depois nos recusamos a ajudar quando outros mais carenciados do que nós dependem dessa ajuda?
É indispensável avaliar o impacto global do alargamento, reconhecer a feição política que é uma caução histórica, o reencontro da Europa com a história depois de anos de artificiais espartilhos. Este exercício é mais importante do que os comezinhos cálculos económicos do deve e haver para os interesses individuais do país.
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