Muita tinta correu. Uns defendiam a pureza do 25 de Abril na sua essência revolucionária, como ruptura com a funesta ditadura. Outros tentaram descarregar a carga ideológica que sempre os punha à margem dos festejos folclóricos da efeméride. A revolução embateu de frente contra a evolução e a faísca foi inevitável. Já andava para escrever acerca do tema há algum tempo. No entanto, quis esperar. Para “comemorar” a posteriori, no dia 26 de Abril.
Há uma gritante miopia quando os “amantes da liberdade” (os sectários que catalogam de “fascistas” os que não festejam a data a seu lado) vêm, do alto da sua sabedoria, dizer que ou se celebra a revolução ou se é um saudosista do 24 de Abril. Porque ninguém fala do 26 de Abril (aqui em sentido figurado, como o 24 de Abril)? Porque ficam estes fervorosos revolucionários presos a uma data, como se o tempo tivesse parado em 25 de Abril de 1974?
A queda da ditadura foi um acontecimento marcante para a vida do país. Como o seria o derrube de qualquer regime totalitário. A revolução de Abril deve ser aplaudida no seu contexto: ter levado ao desaparecimento da ditadura que já vegetava. Mas o tempo continuou. O país não parou. Aliás, o país tinha que se desenvolver, andar para a frente. Prefiro comemorar o 26 de Abril como um testemunho de maioridade cívica dos portugueses. Que, em maioria, souberam rejeitar novos fantasmas ditatoriais e colocar o país nos trilhos de um regime que, com tantos pecadilhos, é menos mau do que a alternativa que certas franjas mais radicais tentavam forjar.
Com esta posição não subscrevo a retórica adoptada pelo governo. Não é essa a “evolução” que recebo de braços abertos. Prefiro festejar a evolução cívica da sociedade portuguesa (mau grado todos os defeitos que ainda se reconhecem à vista desarmada), não tanto enaltecer os dados estatísticos matraqueados pela campanha governamental. Estas estatísticas são uma armadilha. Porque, como dados estatísticos, proporcionam-se a uma manipulação que depende dos critérios da sua escolha. Mas, mais importante, é bom reconhecer que esta “evolução” oficialmente celebrada esconde um panorama global pouco satisfatório.
É verdade, dizem os dados que nos entram olhos dentro, melhorámos em muitos aspectos. Tal foi possível porque partimos de um nível atrasado. É mais fácil ir ao encontro de quem está acima de nós, crescer mais rapidamente do que eles, quando estamos mais atrás. Por outro lado, há que ser exigente e deitar contas à vida, avaliando o desempenho dos governos democráticos. Aceitando o nível reduzido dos padrões de governação, a conclusão é lapidar: muito ficou por fazer. Muitas oportunidades foram desbaratadas. Foi uma evolução que pecou por defeito. Também a evolução celebrada pelo governo é uma fachada.
Esta querela entre evolução e revolução é uma desnecessária batalha semântica que apenas tem o condão de colocar políticos (com o beneplácito da servil comunicação social) a desviar as atenções para o trivial. O essencial passa ao lado das preocupações. Teimar em comemorações bafientas, que esbracejam os fantasmas de uma coisa que já não existe (o “fascismo”), serve apenas para mobilizar clientelas que se encontram ideologicamente órfãs. Como festejar a “evolução” serve apenas para tapar o sol com a peneira. Com se pudéssemos estar contentes com o que nos foi legado pelos sucessivos governos depois do 25 de Abril. Quando muito mais ficou por fazer, festejar o quê?
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