8.4.04

A matança de focas nas terras geladas do Canadá

O almoço que ainda se acomodava no estômago estava a prestes a turvar-se. Terminada a refeição, lia o jornal enquanto espreitava o noticiário na televisão. O pivot anuncia a passagem de uma reportagem sobre a caça às focas no norte do Canadá. As autoridades deste país retrocederam em relação ao passado e permitiram que os caçadores de focas voltassem à sua actividade em força.

Ao escutar esta informação, em introdução às imagens que foram captadas por associações de defesa dos animais que perseguiram os caçadores durante a sua sanguinária actividade, apeteceu-me desligar a televisão. Evitei o comodismo de não me atormentar com tais imagens. Resisti e mantive-me agarrado ao lugar onde estava, esperando pela tortura que se ia seguir. A tortura infligida a criaturas indefesas, chacinadas até à morte. E a tortura que a visão dessas imagens me ia causar.

É uma actividade violenta, com tiques de malvadez que permitem compreender a insensibilidade do ser humano, as suas tendências sanguinárias, a vertigem pela auto-destruição que coloca a espécie no beiral de um frágil equilíbrio que questiona a sua existência vindoura. Repugna-me ver como os caçadores de focas percorrem as terras geladas em busca de focas, espetando com frieza um arpão e arrebanhando-as sem dó em movimentos violentos que abanam os bichos como se de simples coisas inanimadas se tratassem.

Aflige-me ver as criaturas ensanguentadas, com os olhos corroídos pela dor ao saberem que a morte chega dentro de momentos, assim que se esvaírem em sangue. E os gritos lancinantes de quem clama por uma piedade que já vem fora de tempo. É um dó de alma testemunhar como as crias com poucas semanas de vida são as mais apetecíveis. As suas peles são as mais valiosas. Não há a menor hesitação em lançar o arpão a estas dóceis criaturas para lhes despir a valiosa pele. Jazem inertes no gelo, uma mancha agora vermelha depois de terem sido despojadas da sua pele esbranquiçada. Ao seu lado, a mãe faz a ladainha pelo filho que perdeu. Fruto da brutalidade humana de quem pensa que as estas são espécies menores colocadas ao serviço dos desígnios da superior espécie humana.

Enquanto isto, os caçadores de focas seguem insensíveis, felizes com os troféus que transportam. Para mais tarde serem comercializados como casacos que vão ser envergados por uma qualquer dondoca desprovida de inteligência. É nestes momentos que entendo a suprema estupidez da espécie humana. Quando nos ensinam que, como humanos, somos a espécie superior por sermos os únicos seres vivos dotados de racionalidade, apetece-me perguntar se esta “verdade” não passa de um dogma que apenas tem servido para perpetuar o desrespeito por outros animais. Como se nós, humanos, fossemos os senhores de tudo e de todos e pudéssemos sentenciar a sorte das outras espécies.

É nestas alturas que me revelo a antítese do humanista. Por respeito aos direitos dos animais, de tantos animais que ao longo dos tempos têm sido espezinhados por conveniência humana. Ao ver o lamentável espectáculo da chacina das focas, a minha reacção (decerto emotiva) é a de desejar que os carrascos fossem submetidos a um tratamento doloroso que culminasse com a sua vida ceifada. Os carrascos são quer os mandantes (quem consome os casacos de pele), quer os autores materiais da matança.


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