A TVI continua a prestar serviços inestimáveis ao país. A estação colocou uns repórteres no encalço das viaturas oficiais de ministros, secretários de Estado e até do líder do PCP. A tarefa era averiguar se estes automóveis dão o exemplo no cumprimento do código da estrada. Quando se aperta a malha repressiva aos automobilistas que ultrapassam os limites da velocidade, o exercício levado a cabo pela TVI parece oportuno.
A estação televisiva armou-se em detective das más virtudes da classe política e, colocando em risco a vida dos repórteres que se aventuraram pelas auto-estradas, lá tratou de descobrir quem prevarica. Entretanto não se sabe que o sindicato dos jornalistas tenha vindo a público censurar a imprudência, protestando por se ter colocado em risco a vida dos jornalistas que foram expostos a este acto arriscado.
Muitos foram os apanhados. Ministros, secretários de Estado e até Carlos Carvalhas. Todos têm a vertigem da velocidade nas veias. Todos fazem tábua rasa dos limites de velocidade que, ao que se saiba, são válidos para todos os cidadãos, independentemente das regalias que os seus cargos possam oferecer. A TVI quis mostrar aos portugueses que há cidadãos de primeira e os outros, a quem se aplicam as leis do país.
Pergunto-me até que ponto não estará a TVI conluiada com Saramago no apelo ao voto em branco. Ou em conluio, ou apenas inebriada pelo mais recente recado de Saramago, parece que a mensagem é a seguinte: povo, vejam como os políticos deste país se estão nas tintas para as regras do código da estrada. Vejam como depois vestem a capa da hipocrisia e aparecem, em pesarosas declarações públicas, a lamentar a elevada sinistralidade rodoviária, sempre relacionada com o excesso de velocidade. Povo português, estes políticos são senhores de uma palavra que não condiz com os seus comportamentos. Povo português, insinua a TVI, votem em branco porque esta classe política alimenta privilégios de excepção em actos que são alvo da perseguição policial quando cometidos pelo cidadão comum.
Não tenho a certeza que a TVI tenha razão. Se o país está atrasado, sem tem problemas profundos para resolver, se tem urgência em sair do buraco, é aceitável que os políticos tenham que governar a uma velocidade vertiginosa. O tempo escasseia para o futuro do país. A cada minuto desaproveitado é um futuro de bonança que se hipoteca para as gerações actuais, um mar de rosas que fica adiado para as calendas. Os governantes precisam de aproveitar todo o tempo disponível. Até nas deslocações oficiais que têm que fazer: porque gastar duas horas e meia entre o Porto e Lisboa, cumprindo o código, se se pode fazer o trajecto em menos uma hora? Tempo é dinheiro – melhor dizendo, tempo poupado nas viagens é tempo aproveitado nos gabinetes, a resolver diligentemente os problemas que atormentam o país.
Daí a seguinte proposta. Quem sabe se a competência dos políticos não é mais elevada porque eles não têm meios para se deslocarem ainda mais depressa? É melhor dotar o parque automóvel do Estado de Porsches e Ferraris, para a classe política perder menos tempo nas suas deslocações pelo país. E contratar antigas glórias do desporto automóvel nacional para motoristas, para elevar os padrões de segurança. Já agora, prever na lei uma excepção aos limites de velocidade em favor das viaturas oficiais, para que a polícia não tenha que fechar os olhos sempre que um destes veículos passa, esbaforido, acima dos 200 quilómetros/hora.
Dirão alguns que isto é caucionar um mau exemplo dado pelos políticos. Qual é a novidade nesta conclusão?
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