18.11.16

Apalavrado

Yo La Tengo, “You Can Have It All”, in https://www.youtube.com/watch?v=xJAXG6n3jPw
A construção da alvorada, paredes-meias com os olhos estremunhados: promete-se o dia, com o corpo a pedir o cansaço do entardecer. Antes que seja crepúsculo, um largo passo atravessa o tempo do dia. Exercício mental: metem-se em envelopes as tarefas que não podem ficar adiadas. Porventura, um dia cheio de azáfama.
No percurso que se exige, a revisão mental da matéria dada. Aperfeiçoam-se os mecanismos que impedem o esquecimento. É uma maneira de manter o pensamento diligente. Uma maneira de ir adiando o envelhecimento. Entretanto, palavras bolçadas em jeito de impropério quando um condutor desavisado atrapalha o trânsito. Logo de seguida, um terno instante de arrependimento: como posso ser fautor de ato tão primário? (O arrependimento é de légua curta: não há de demorar outro contratempo no trânsito e os consequentes, e espontâneos, impropérios.) Às vezes, o dia demora-se porque a paciência é convocada amiúde. E enquanto a paciência se agiliza, parece que o tempo se estende numa demora que testa a longanimidade. É um mistério: como consegue a paciência embeber-se no método que aguenta as fornadas que são servidas ao longo do dia.
Talvez esteja a esboçar errado diagnóstico. Talvez o que cativo em crédito da paciência não mereça um módico de perplexidade. Talvez tenha a mania de exigir de mais. Julgo que é a bem da sanidade mental. Eu bem ajuramento um método diferente, enfiar o olhar por outros ângulos que tragam análise mais desprendida, despromover as coisas que tiram os parafusos à (ambicionada) fleuma britânica. Eu bem ajuramento quadrar as intenções com os atos, tirando o tapete às irascíveis respostas que são uma consumição interior. Tenho a confiança que terei tempo para povoar os dias todos com o método diferente que juro inscrever no mapa dos atos.
Tudo se apalavra na bruma que esconde os sons do tempo vindouro. Não sei se será errado. Os planos projetados para o tempo ausente corrompem o tempo que tenho entre as mãos. Devo a esse tempo o tempo que dele furto na demanda por um tempo futuro. De cada vez que o olhar salta o tempo e esquadrinha o devir, a hibernação hipoteca os sentidos. O apalavrar maior devia ser este: fazer de conta que o amanhã não vai chegar. Para ir ao fundo do dia dentro das mãos e dele retirar toda a sua matéria sumarenta.

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