Nicolas Jaar, “Three Sides
of Nazareth”, in https://www.youtube.com/watch?v=3mEMDbTi98A
Não cessava de protestar contra o opróbrio que sobre ele
se abatia, atirando-o para os braços da má fama, sem remédio possível. Protestava,
por não ser esse o caso. Admitia umas derrapagens de vez em quando – mas quem as
não tem que pegasse na primeira pedra.
Não podia aceitar os rótulos adversos que vinham a
tiracolo, pespegados por outros que não sabiam da missa a metade. Eram rótulos contra
a sua vontade. Não reproduziam o seu eu – acudia em proveito das dores que o
consumiam, ao saber da má fama que tinha em mercado. As pessoas, atentas aos
primeiros sinais e sem terem como saber da profundidade das coisas, atalhavam:
ele não era de confiar, tão pouco recomendáveis os pergaminhos. Ele insistia: era
um retrato exagerado, distorcido. Às vezes, um retrato retorcido. Era como se
ele saísse de si e se metesse na pele de outra pessoa e escutasse os rumores e
as certezas, confundidas com rumores, que sobre si diziam. Admitia: não fosse
dar-se o caso de simular ser ele por dentro de outrem, não gostaria de ouvir as
más palavras que sobre ele se diziam. Admitia: se estivesse na pele de outrem,
talvez fossem essas as palavras que sobre si diria.
A certa altura, já trocava as voltas aos ditos que
adejavam sobre si e a imagem compungida que de si fazia, só para escapar com
vida ao julgamento das aves de rapina que não cessavam de o assombrar com os
rumores postos em circulação. Ou, se calhar, eram rumores só com um pouco de
fundamento; mas pouco, o fundamento. Dizia-se vítima de uma má fama que lhe era
imputada por outros que dele invejavam um certo modo de vida descomprometido, a
recusa de confortáveis cânones bem-pensantes, a rejeição de sotainas moralistas
que intuíam guiar vidas outras pelo rumorejar dos seus dedos. Talvez fosse
irreverente. Primava pela provocação que, em saldo final, quase sempre era
apenas uma gratuita provocação.
Quando não se condoía do isolamento a que o remetiam,
pretendia discutir por que o atiravam para um lastro decadente que era a
epiderme da sua má fama. Só que as pessoas viravam a cara à sua passagem. Ficava
a falar sozinho. Não interessava. Era sozinho que gostava de ser.
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