31.7.17

12.000 rpm


Ty Segall, “Warm Hands (Freedom Returned) (live on KEXP), in https://www.youtube.com/watch?v=o-CofEQ4iao    
Como nas quinhentas milhas de Indianápolis: as rotações no máximo, a todo o tempo. Sem descanso. Sem intermitências. Com o ponteiro a beijar o red line. Não há tempo a perder. As hesitações podem assemelhar-se a destempo.
Oxalá a corpo pudesse prescindir do sono (não pode). Pau para toda a obra que viesse ao regaço do conhecimento, das experiências com visibilidade para o conforto, ou das que apetece experimentar só para saber a cor que trazem por dentro depois de desembrulhadas. Sempre com o pé a fundo no acelerador da vida. Uma corrida de fundo, é certo, mas à velocidade toda. Vertiginosamente açambarcando os fragmentos de que se compõe uma vida. Tornando-a inteira. Enxugando as inúteis derivações que não provêm ao sustento da alma. Sem medo dos sobressaltos – um risco necessário em caso de tanta voracidade contaminar a matéria das veias.
Não sobra alternativa – a não ser que o destino seja a capitulação e os comandantes supremos que apascentam a letargia saibam convencer que o sopor é bom conselheiro. Mas não é isso que queremos. Não queremos ser gente despojada de rosto próprio. Não queremos ser despojados do ADN singular e tornados iguais à multidão. Não queremos ser acantonados a um anónimo lugar onde somos deixados à míngua de vontade. Onde deixamos de ser o que nos apetece só para não ousarmos desafiar os cânones e quem os tutela. O prazer de harmonizar os prazeres pode não quadrar com a hipoteca da alma, em caso de ela se render à tirania de uma crença. 12.000 rpm e somos hedonistas. Não queremos saber do dia que vem amanhã. Não queremos saber da hora seguinte.
Esgotamos, até à medula, as pétalas oferecidas pelas flores, os centímetros que nos separam do sopé da montanha, todos os gramas da matéria em que a vontade se funde, as páginas já lidas e as que nem sabemos que iremos ler. Deixamos para os eclesiásticos o seu cinto de castidade e para os aspirantes à beatificação o lugar próprio e a água benta necessária, que é coisa que dispensamos por a considerarmos crime contra o sumo apetite de que somos depositários. Correndo contra o tempo para, por dentro dele, o podermos retardar quando apetecer e apressá-lo quando tivermos em juízo que está madraço.
12.000 rpm. Havendo motor.

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