dEUS, “Instant Street”, in https://www.youtube.com/watch?v=uyA01nH72NI
É este sentimento de “despertença” que se cola à
pele quando nos atiram aos olhos que somos parte de um todo indiferenciado, a “média”
– ou, em formulação mais eloquente, o “cidadão médio”. É para ninguém ter a
mania que é especial, ou que pode reivindicar um estatuto de diferença que o
torna dissemelhante da média. Sem demora, os cultores da uniformidade, aqueles
que se afadigam em mostrar que uma média é composta por uma imensidão e que a
imensidão é a prole da politicamente correta democracia, tratam de desfazer as
pretensões dos que se acham credores de um estatuto de diferença: e, mesmo que
não conheçam quem assim se porta, prontamente negam a pretensão – será, por
junto, uma questão de “princípios”.
Julgo que o fazem escudados na estatística e na
lei das probabilidades. Temos olhos iguais, vemos as coisas pelo mesmo ângulo,
reagimos sem notória diferenciação, enfim, somos o espaço exemplar da coesão à
prova de betão. Poderão admitir que há quem se desvie da média. São os párias,
os poucos excecionais que constituem um escol, ou os dos comportamentos
desviantes. Alguns dos tutores da normalidade, dos que preconizam a média como
leitura perfeita da consagrada democracia, astuciosamente colocam-se a si
mesmos num pedestal só compatível com uma exceção à média. Prescientes,
sentem-se adejar acima do “cidadão médio”, tornando-se ufanos na circunstância
de se verem profetas entre os demais. Não percebem como ficam reféns de uma
insanável incongruência. Mas não abdicam da batuta de superioridade moral que,
a seu ver, confere o direito de serem julgadores dos outros.
O jogo da vida e a interação das almas jogam a
desfavor da teoria da média e dos seus cultores. Tem-se a impressão que cada alma
não se considera pertença da média. Cada alma é uma inspirada fonte de
excecionalidade (que tanto a pode promover ao escol, como despromovê-la a pária;
acontece, respetivamente, com as narcísicas personagens e com os videntes de
variegados infaustos estados). Parece que ninguém se sente confortável se for
atirado para os braços da média. A média é um insulto. Um lugar escandaloso,
sobretudo se quem para lá é atirado o for contra a sua vontade, por decreto iluminado
de um asceta que vive numa torre de marfim de onde proclama o seu estatuto tão
especial.
Sou levado a concordar. Cada alma é uma
particularidade. Eivada de tanta complexidade que não há fórmula nenhuma da matemática
que a consiga reduzir a uma média.
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