14.12.17

Mind the step

Metz, “Cellophane”, in https://www.youtube.com/watch?v=qPG2aQXeZoM    
Como os soldados são treinados: olhos bem abertos, espreitando por todos os ângulos, olhos abertos até a dormir. Nunca se sabe. Nunca se sabe quando se tropeça num contratempo. Dirão: os contratempos são sempre inesperados – ou não seriam contratempos. Nada podemos contra o poder avassalador dos contratempos. Somos apanhados por uma maré que não conseguimos domar. Reagimos, apenas. Mesmo nesse caso, os olhos discernidos ajudam a moldar as mãos à lava dos contratempos. Não podemos dizer que não estamos preparados. Mesmos quando não sabemos de onde são bolçados os contratempos e quando chega o tempo de sermos atingidos por eles. É um estado de precaução geral. Como os soldados.
Contudo, nestes preparos somos tomados por uma desconfiança metódica que açambarca o modo de ser. Talvez não seja boa ideia estarmos diligentemente de atalaia, como os soldados. Até porque não gostamos de soldados e repudiamos o estilo castrense. Talvez seja da desusada comparação. Pode-se usar outra, esvaziada de militares conotações. Apenas um zeloso pé atrás para não irmos depressa de mais com os dois pés juntos se um precipício surgir de repente e já não houver tempo para travar. Combina-se o estiolar dos sentidos com a angústia da exposição ao inesperado. Não será mau critério. Ou talvez não: na medida em que estamos perenemente com os sentidos em alvoroço, como se à espera de uma tempestade estivéssemos, mesmo em estando despejado de nuvens o céu por diante.
Há quem não saia de casa. Há quem tome excessivas precauções, como se através delas se abrigassem dos contratempos escondidos da agenda. Não será melhor critério. Estarmos sitiados pela sensação de apoplexia a gotejar na pele, não é recomendável. Como ficou formulado atrás, ficamos açambarcados pela diligente atalaia, com a vontade refém do que a ela não diz respeito. Passamos a ser um eu coberto pelo medo. Esta castração não impede, nem previne, sobressaltos inesperados. Continuaremos a ser suas vítimas, ao acaso.
Não há seguros que acautelem a incontingência. Antes sermos figurantes do mundo e das suas circunstâncias, do que peões estremunhados e de vontade contrafeita na volúvel ocorrência dos contratempos.

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