Agosto, mês de férias, abre as portas à “silly season”. O país está a banhos e, à falta de notícias, faz-se a elegia do disparate. Este ano a “silly season” estava estranhamente adormecida. Talvez em virtude do calendário político, que colocou as férias dos políticos em banho-maria, não caímos na letargia habitual que desemboca no chorrilho de disparates que inundam a imprensa.
Mas Agosto não é Agosto sem a sua “silly season”. Ainda que tardia, a de 2004 lá chegou vinda por mar, desde a Holanda. Uma embarcação fez-se às águas do Atlântico e traçou a rota com destino ao Portugal conservador que não contemporiza com as práticas abortivas. Este sucedâneo do famoso barco da Greenpeace quis vir até águas nacionais para disseminar a boa nova do aborto, dando razão àquelas que gritam a pulmões abertos que nas suas barrigas só elas mandam.
E não é que estejam erradas – na mensagem, não no espavento com que a difundem. Já em textos anteriores defendi a total liberalização do aborto, por se tratar de uma questão íntima que apenas à mulher cabe decidir. Sem qualquer interferência da sociedade, até para afugentar hipocrisias diletantes dos que oferecem o peito na causa anti-aborto, mas que depois levam as filhas adolescentes a uma luxuosa clínica estrangeira para remediar as consequências de um acidente não programado.
Defendendo a liberalização do aborto, não consigo concordar com a iniciativa de certos grupelhos nacionais que organizaram a excursão do barco das “Women on waves” até a um porto nacional. Há meios que fazem perder a razão que sustenta uma determinada causa. Vindo de quem vem – basta ver a filiação dos grupelhos que patrocinaram o evento mediático – não é de estranhar. São aqueles que fazem espalhafato acreditando que essa é a melhor forma de agitar as consciências. Crendo que é o melhor método de levar água ao seu moinho, sem se darem conta que exacerbam os antagonismos. São como elefantes em loja de porcelanas. A falta de tacto é a nota dominante, sem perceberem que em vez de congregarem apoios à sua causa apenas têm o condão de dividir e até afastar pessoas que à partida estariam mais perto das causas que defendem.
É o folclore do costume. Só falta cativar dezenas de barcos, embarcar neles os indefectíveis da praxe, e fazer um círculo de solidariedade com o barco do aborto, impedido de entrar em águas nacionais. Fazia-se a festa, era oportunidade de agarrar pela enésima vez no estafado chavão da “decisão anti-democrática” (como se eles fossem um fiel da democracia…), tocavam-se músicas de Joan Baez e de outros arautos perdidos na poeira do Woodstock e do Maio de 68. Quando voltassem a terra firme, depois dos enjoos das ondas impiedosas do Atlântico, a consciência tranquila de um contributo inestimável para um mundo mais justo.
Não são apenas eles que apostam em dar tiros no pé. A reacção do governo, protagonizada pelo ministro que tutela o mar, não ficou atrás. Parece um concurso em que os intervenientes apostam para ver quem consegue ir mais longe no radicalismo. Não contesto a decisão de proibir a entrada do barquito em águas portuguesas. É um direito que assiste ao governo, considerando (como considera) que o expediente da “Women on waves” e de quem as convidou foi uma manobra típica de chico-esperto para contornar a proibição legal de praticar o aborto em território nacional. Por mais que isso tenha motivado a repulsa das organizadoras do evento, quem manda no país é o governo, não elas.
Excessiva foi a decisão de enviar fragatas para patrulhar o barquito à distância . Excessiva e ridícula, expondo o país à chacota internacional. No entanto, fico aquietado na minha consciência: depois de não perceber porque gastamos rios de dinheiro na marinha, sei agora que a marinha tem a utilidade que está a ser exibida. Se o secretário de Estado dos assuntos do mar assegurou que esta patrulha vigilante punha cobro a uma ameaça à soberania nacional, então fiquemos sossegados: a marinha afinal serve para alguma coisa…
Sinais dos tempos. Agora a soberania nacional não é ameaçada por manobras militares ou intimações bélicas. Basta um barquito cujas únicas armas são uma marquesa, bisturis e desinfectantes. Eis o epílogo de uma curta, mas excitante, “silly season” que já tardava. Uns acenderam a fogueira do disparate (“Women on waves” e grupelhos nacionais que patrocinaram a coisa). Outros atiraram mais achas para a fogueira em vez de apagarem discretamente o fogo (o governo).
Mas Agosto não é Agosto sem a sua “silly season”. Ainda que tardia, a de 2004 lá chegou vinda por mar, desde a Holanda. Uma embarcação fez-se às águas do Atlântico e traçou a rota com destino ao Portugal conservador que não contemporiza com as práticas abortivas. Este sucedâneo do famoso barco da Greenpeace quis vir até águas nacionais para disseminar a boa nova do aborto, dando razão àquelas que gritam a pulmões abertos que nas suas barrigas só elas mandam.
E não é que estejam erradas – na mensagem, não no espavento com que a difundem. Já em textos anteriores defendi a total liberalização do aborto, por se tratar de uma questão íntima que apenas à mulher cabe decidir. Sem qualquer interferência da sociedade, até para afugentar hipocrisias diletantes dos que oferecem o peito na causa anti-aborto, mas que depois levam as filhas adolescentes a uma luxuosa clínica estrangeira para remediar as consequências de um acidente não programado.
Defendendo a liberalização do aborto, não consigo concordar com a iniciativa de certos grupelhos nacionais que organizaram a excursão do barco das “Women on waves” até a um porto nacional. Há meios que fazem perder a razão que sustenta uma determinada causa. Vindo de quem vem – basta ver a filiação dos grupelhos que patrocinaram o evento mediático – não é de estranhar. São aqueles que fazem espalhafato acreditando que essa é a melhor forma de agitar as consciências. Crendo que é o melhor método de levar água ao seu moinho, sem se darem conta que exacerbam os antagonismos. São como elefantes em loja de porcelanas. A falta de tacto é a nota dominante, sem perceberem que em vez de congregarem apoios à sua causa apenas têm o condão de dividir e até afastar pessoas que à partida estariam mais perto das causas que defendem.
É o folclore do costume. Só falta cativar dezenas de barcos, embarcar neles os indefectíveis da praxe, e fazer um círculo de solidariedade com o barco do aborto, impedido de entrar em águas nacionais. Fazia-se a festa, era oportunidade de agarrar pela enésima vez no estafado chavão da “decisão anti-democrática” (como se eles fossem um fiel da democracia…), tocavam-se músicas de Joan Baez e de outros arautos perdidos na poeira do Woodstock e do Maio de 68. Quando voltassem a terra firme, depois dos enjoos das ondas impiedosas do Atlântico, a consciência tranquila de um contributo inestimável para um mundo mais justo.
Não são apenas eles que apostam em dar tiros no pé. A reacção do governo, protagonizada pelo ministro que tutela o mar, não ficou atrás. Parece um concurso em que os intervenientes apostam para ver quem consegue ir mais longe no radicalismo. Não contesto a decisão de proibir a entrada do barquito em águas portuguesas. É um direito que assiste ao governo, considerando (como considera) que o expediente da “Women on waves” e de quem as convidou foi uma manobra típica de chico-esperto para contornar a proibição legal de praticar o aborto em território nacional. Por mais que isso tenha motivado a repulsa das organizadoras do evento, quem manda no país é o governo, não elas.
Excessiva foi a decisão de enviar fragatas para patrulhar o barquito à distância . Excessiva e ridícula, expondo o país à chacota internacional. No entanto, fico aquietado na minha consciência: depois de não perceber porque gastamos rios de dinheiro na marinha, sei agora que a marinha tem a utilidade que está a ser exibida. Se o secretário de Estado dos assuntos do mar assegurou que esta patrulha vigilante punha cobro a uma ameaça à soberania nacional, então fiquemos sossegados: a marinha afinal serve para alguma coisa…
Sinais dos tempos. Agora a soberania nacional não é ameaçada por manobras militares ou intimações bélicas. Basta um barquito cujas únicas armas são uma marquesa, bisturis e desinfectantes. Eis o epílogo de uma curta, mas excitante, “silly season” que já tardava. Uns acenderam a fogueira do disparate (“Women on waves” e grupelhos nacionais que patrocinaram a coisa). Outros atiraram mais achas para a fogueira em vez de apagarem discretamente o fogo (o governo).