30.8.04

“À grama”

É o nome de um restaurante em Lisboa. Mas esta não é uma crónica gastronómica, tanto que não visitei este restaurante. Não poderei dissertar sobre as especialidades ali cozinhadas, sobre a qualidade do repasto, especular acerca da medida dos condimentos utilizados nos pratos degustados, avaliar a eficácia e a simpatia do atendimento, ou o bom gosto da decoração do local.

A motivação deste texto é o nome do restaurante. “À grama” parece um nome como tantos outros, quando é necessário puxar da imaginação e encontrar algo que seja original para ficar na retina dos comensais. O nome do restaurante deixa entender (se não me falha o significado da expressão) uma referência à unidade de peso que usamos no sistema continental. Ao que soube, este restaurante concorre com restaurantes instalados em grandes superfícies comerciais onde os clientes se auto-abastecem e pagam ao peso. Um desses restaurantes, talvez o mais conhecido, é o “Comida a peso”. O “à grama” usou uma denominação que apela à mesma ideia.

O que está errado é o género da partícula utilizada antes da palavra grama. Numa deturpação que vai ao encontro da utilização popular dada à palavra, a percepção é de que grama seja feminino. Basta ir ao dicionário para verificar que “grama” aparece com a designação “s.m.”, uma palavra singular e masculina. Portanto, grama é masculino. Diz-se “o grama” e não “a grama”, como está vulgarizado. Aliás, bastaria reflectir um pouco na utilização de um derivado desta palavra para confirmar que algo está errado: não é verdade que nos referimos ao quilograma, não à quilograma? Se o quilograma é mil vezes um grama, e dando por adquirido que quilograma é masculino, algo estaria errado à partida: ou “o quilograma” ou “a grama”.

O dicionário é o fiel da balança. Mas a verdade é que a utilização da palavra grama no feminino é reiterada. Vamos ao supermercado e os vegetais, a fruta e o peixe medem-se em gramas como se elas fossem uma palavra feminina. Até os médicos, pessoas supostamente acima da média em termos de cultura geral, se não cansam de repetir a utilização de grama no feminino. Acaba por ser intrigante como a vulgarização de uma palavra se afasta do rigor linguístico, preenchendo uma distorção da língua que, à custa de perdurar no tempo, quase remete a sua versão correcta para um mero anacronismo. À custa de tanto insistir que grama é feminino, lá chegará o dia em que se perde na memória dos dicionários bafientos que a palavra tem um género diferente. O mesmo sucede, por exemplo, com hélice. Tirando as pessoas ligadas ao meio náutico, poucos serão os que sabem que hélice é uma palavra masculina – o hélice, não “a hélice”, como é vulgarmente dito.

Será importante fazer estas correcções, assinalar os erros quando as palavras são usadas de forma incorrecta, ou aparecem com o género trocado? Tudo depende da perspectiva. Aceitando as teorias pedagógicas que relativizam o rigor do ensinamento (teorias generosas com a propensão para o erro), tanto fará dizer “o grama” ou “a grama”, “o hélice” ou “a hélice”. O que interessa é a mensagem transmitida, não tanto simples questões formais relacionadas com o género da palavra.

Por este caminho, qualquer dia deixa de haver regras gramaticais. A língua tende a abastardar-se, a ser maltratada, como já sucede na actualidade com pessoas que têm especiais responsabilidades por terem na palavra o seu instrumento de trabalho e por serem indirectamente educadores do público que servem. Estou-me a lembrar de outro erro que assentou arraiais entre os mais jovens profissionais da comunicação social: os sucessivos erros de concordância verbal. São tantas as vezes em que ouvimos ou lemos coisas deste género: “um grupo de camionistas fizeram-se à estrada…”, como se a forma verbal tenha que estar no plural por a palavra que aparece antes do verbo (camionistas) ser plural, quando o que interessa para a utilização do verbo é a palavra que está na origem da frase (grupo, no singular, exigindo que o verbo também surja no singular).

Apesar de estar em voga o maneirismo da facilitação linguística, sendo até glorificada por correntes literárias que distorcem a língua como manobra de vanguarda estilística, custa-me ver tantos pontapés na gramática que a vão deturpando. O diagnóstico está ainda por fazer: falta de cuidado? Mau ensino de português que vem do passado? Ou simples ignorância que cresce a galope?

1 comentário:

Anónimo disse...

Nada disso meu karo,1/2
Sign of the times,resultado de uma globalização apressada que tu defendes e em que a lingua acabará por também por se globalizar.
Aliás, vejo aqui a tal réstia ( vai ver ao book,bookain ou dic) de saudozismo de um time que tu mesmo queres akabar?
O " globish", vulgo global english, vai-nos invadir, vai infektar o português, globalizá.lo.*********missed text*********2/2
E chegará tb ká, a vez dos city dialects - vê o exemplo do Verlain françês.
For u mai friend,
talvez o latim .......ainda aí estávamos se surfássemos na tua wave

à bien
Karter