Um nevoeiro espesso abate-se sobre a cidade. Na alvorada que se anuncia, é a noite que se demora na névoa cinzenta. A cidade vê-se abraçada pelo manto que cheira a humidade. Pequenas gotas desprendem-se do nevoeiro rasante e assentam na pele de quem anda pelas ruas. O gotejar deixar as ruas humedecidas. Por baixo das árvores, uma mancha revela as gotas abundantes que foram caindo das folhas assaltadas pela humidade trazida pelo nevoeiro.
Aproximo-me de um lago. A espessura do nevoeiro adensa-se. É quase imperceptível a fronteira entre a água do lago e as nuvens baixas, que aqui são tão baixas que quase beijam o espelho de água. Como se a água do lago fosse um campo magnético que atrai as gotículas do nevoeiro que desceram do céu e marcaram um encontro com o solo. Ao longe, diria que não se descobre a linha de horizonte que separa a água do nevoeiro. Numa osmose, fundem-se num quadro só. As gotas que se vão soltando da névoa rasante pousam na água do lago. Deixam de pertencer ao nevoeiro e engrossam o manancial de água. Ou é o lago que se ergue para tocar as nuvens mais baixas que desceram deste nevoeiro rasante.
Nos dias de névoa persistente é a manhã que se demora a levantar. Mais tímida, irrompe por entre a escuridão da noite que teima em dar lugar à luz diurna. Quase parece que a névoa é inimiga do dia e quer que a noite perdure por mais tempo. O sol, pendurado na imensidão do céu, não tem força para romper o denso tecto de nuvens. Fica lá em cima, a vigiar o manto espesso de alvura que se abate sobre a cidade. Uma alvura vista de cima, que do outro lado confere uma tonalidade acinzentada às ruas da cidade.
Nestes dias de luminosidade retardada, uma névoa preguiçosa estende-se num torpor melancólico. Tudo se passa mais devagar, como se uma imensa tristeza invadisse a cidade anestesiada pelo gotejar que se solta da névoa que rasteja pelos corpos. A cidade acabrunha-se pela névoa, intimida-se por não ver a luz do sol que se esconde por detrás da densidade da névoa. Há quem diga que a cidade fica mais triste quando é banhada pela névoa teimosa. Eu diria que depende do estado de espírito. Desta subjectividade, o que fica é a oscilação de sentimentos quando a névoa deixa a sua marca na cidade. Uns dias, o desejo que a névoa se esbata e dê lugar à luz quente do sol que tinge as casas da cidade com uma cor viva. Outras vezes, reparar na tonalidade diferente que percorre as ruas e as pedras desgastadas pelo tempo. O granito exalta a sua grandeza quando o cinzento da névoa teima em tapar o sol. Parece que a névoa que vem pela noite e se prolonga pela manhã foi feita à medida para expor o negrume do granito gasto pela inclemência do tempo que passa sem parar.
A névoa que repousa enquanto as pessoas vão para o trabalho identifica a cidade. Traz-lhe o cinzento que se casa tão bem com as pedras antigas. Realça a esforço de uma vida árdua que coabita com a humidade que consome os ossos. Outros locais têm as suas idiossincrasias meteorológicas – a neve, a chuva impiedosa, o vento flagelador, o calor em brasa, a noite que se estende pelas horas diurnas. Na minha cidade é este nevoeiro que baixa do céu e vem tocar as ruas e as pessoas que nelas andam, como se quisesse conviver com maior proximidade, sentir o pulsar da cidade. Cidade e névoa misturam-se num quadro único. Vista ao longe, uma cidade invadida pelo nevoeiro. Nas zonas mais altas, a névoa ofusca os edifícios, toma-lhes o lugar. Ao descer o terreno, a névoa lança baforadas cinzentas que tentam tocar o solo, entrar nas janelas das casas, tingir toda uma cidade com uma cor tristonha que renega a luminosidade do sol.
Horas passadas na letargia trazida pela névoa, o sol derrota-a, aos poucos. Um raio que se anuncia na altura, penetrando com esforço na vastidão do manto de nevoeiro. A densidade da névoa vai-se diluindo, perdendo a espessura que antes vergava o sol intimidado. Com esforço, o sol sopra a névoa para longe. Com um acto de magia, a névoa que se demorou nas ruas da cidade dá lugar ao sol que vem aquecer os ossos descompensados pela humidade entranhada herdada das horas de névoa duradoura.
As cores mudam. A luz calorosa leva consigo os vestígios da névoa. As ruas humedecidas não tardam a secar, escaldadas pelo sol estival que, no pino da sua força, varre o molhado vertido pelas árvores. As pedras graníticas têm agora outra cara. Passam a irradiar o brilho dos pequenos cristais nelas incrustados, agora que o sol os traz em toda a sua resplandecência.
Aproximo-me de um lago. A espessura do nevoeiro adensa-se. É quase imperceptível a fronteira entre a água do lago e as nuvens baixas, que aqui são tão baixas que quase beijam o espelho de água. Como se a água do lago fosse um campo magnético que atrai as gotículas do nevoeiro que desceram do céu e marcaram um encontro com o solo. Ao longe, diria que não se descobre a linha de horizonte que separa a água do nevoeiro. Numa osmose, fundem-se num quadro só. As gotas que se vão soltando da névoa rasante pousam na água do lago. Deixam de pertencer ao nevoeiro e engrossam o manancial de água. Ou é o lago que se ergue para tocar as nuvens mais baixas que desceram deste nevoeiro rasante.
Nos dias de névoa persistente é a manhã que se demora a levantar. Mais tímida, irrompe por entre a escuridão da noite que teima em dar lugar à luz diurna. Quase parece que a névoa é inimiga do dia e quer que a noite perdure por mais tempo. O sol, pendurado na imensidão do céu, não tem força para romper o denso tecto de nuvens. Fica lá em cima, a vigiar o manto espesso de alvura que se abate sobre a cidade. Uma alvura vista de cima, que do outro lado confere uma tonalidade acinzentada às ruas da cidade.
Nestes dias de luminosidade retardada, uma névoa preguiçosa estende-se num torpor melancólico. Tudo se passa mais devagar, como se uma imensa tristeza invadisse a cidade anestesiada pelo gotejar que se solta da névoa que rasteja pelos corpos. A cidade acabrunha-se pela névoa, intimida-se por não ver a luz do sol que se esconde por detrás da densidade da névoa. Há quem diga que a cidade fica mais triste quando é banhada pela névoa teimosa. Eu diria que depende do estado de espírito. Desta subjectividade, o que fica é a oscilação de sentimentos quando a névoa deixa a sua marca na cidade. Uns dias, o desejo que a névoa se esbata e dê lugar à luz quente do sol que tinge as casas da cidade com uma cor viva. Outras vezes, reparar na tonalidade diferente que percorre as ruas e as pedras desgastadas pelo tempo. O granito exalta a sua grandeza quando o cinzento da névoa teima em tapar o sol. Parece que a névoa que vem pela noite e se prolonga pela manhã foi feita à medida para expor o negrume do granito gasto pela inclemência do tempo que passa sem parar.
A névoa que repousa enquanto as pessoas vão para o trabalho identifica a cidade. Traz-lhe o cinzento que se casa tão bem com as pedras antigas. Realça a esforço de uma vida árdua que coabita com a humidade que consome os ossos. Outros locais têm as suas idiossincrasias meteorológicas – a neve, a chuva impiedosa, o vento flagelador, o calor em brasa, a noite que se estende pelas horas diurnas. Na minha cidade é este nevoeiro que baixa do céu e vem tocar as ruas e as pessoas que nelas andam, como se quisesse conviver com maior proximidade, sentir o pulsar da cidade. Cidade e névoa misturam-se num quadro único. Vista ao longe, uma cidade invadida pelo nevoeiro. Nas zonas mais altas, a névoa ofusca os edifícios, toma-lhes o lugar. Ao descer o terreno, a névoa lança baforadas cinzentas que tentam tocar o solo, entrar nas janelas das casas, tingir toda uma cidade com uma cor tristonha que renega a luminosidade do sol.
Horas passadas na letargia trazida pela névoa, o sol derrota-a, aos poucos. Um raio que se anuncia na altura, penetrando com esforço na vastidão do manto de nevoeiro. A densidade da névoa vai-se diluindo, perdendo a espessura que antes vergava o sol intimidado. Com esforço, o sol sopra a névoa para longe. Com um acto de magia, a névoa que se demorou nas ruas da cidade dá lugar ao sol que vem aquecer os ossos descompensados pela humidade entranhada herdada das horas de névoa duradoura.
As cores mudam. A luz calorosa leva consigo os vestígios da névoa. As ruas humedecidas não tardam a secar, escaldadas pelo sol estival que, no pino da sua força, varre o molhado vertido pelas árvores. As pedras graníticas têm agora outra cara. Passam a irradiar o brilho dos pequenos cristais nelas incrustados, agora que o sol os traz em toda a sua resplandecência.
2 comentários:
New Dawn Fades (1979)
A change of speed, a change of style.
A change of scene, with no regrets,
A chance to watch, admire the distance,
Still occupied, though you forget.
Different colours, different shades,
Over each mistakes were made.
I took the blame.
Directionless so plain to see,
A loaded gun won't set you free.
So you say.
We'll share a drink and step outside,
An angry voice and one who cried,
'We'll give you everything and more,
The strain's too much, can't take much more.'
I've walked on water, run through fire,
Can't seem to feel it anymore.
It was me, waiting for me,
Hoping for something more,
Me, seeing me this time,
Hoping for something else.
Ian Curtis - Joy Division
Foi o que me ocorreu.
Ponte Vasco da Gama
"O escritor organiza-se no seu texto como em sua casa. Comporta-se nos seus pensamentos como faz com os seus papéis, livros, lápis, tapetes, que leva de um quarto para o outro, produzindo uma certa desordem. Para ele, tornam-se peças de mobiliário em que se acomoda, com gosto ou desprazer. Acaricia-os com delicadeza, serve-se deles, revira-os, muda-os de sítio, desfá-los. Quem já não tem nenhuma pátria, encontra no escrever a sua habitação."
Adorno - Minima Moralia
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