Domingo de manhã, soava o alarme na dispensa: a vistoria revelou a necessidade de me abastecer de mantimentos. Pernas ao caminho, em direcção ao Continente de Matosinhos. O pesadelo. Eram apenas dez da manhã de um domingo de Agosto. Julgava que fosse uma boa hora para entrar tranquilamente no hipermercado, sem os atropelos de um povo ávido em meter para o carrinho de compras mil e uma coisas de duvidosa necessidade. Enganei-me. Era hora de ponta!
Os minutos ali passados, que tiveram que ser encurtados ao máximo, foram um sacrifício inenarrável. O povo tinha desaguado naquele hipermercado. Famílias inteiras: o pai ostentando uma orgulhosa pança sintomática de muitas litradas de cerveja, xanatos mostrando os dedos dos pés, coisa já de si medonha, para mais agravada pelo negrume que por ali habitava; a mãe, vestes aligeiradas como imperava dado o calor estival, com as gorduras expostas, num estranho ritual de comprimir as gorduras como se estivesse a cantar um hino à estética; os filhos, prestes a entrar na adolescência, guiavam o cortejo por entre as prateleiras com as iguarias da sua preferência. Passeavam-se aos magotes, lânguidos e pachorrentos, fazendo horas para o piquenique dominical.
Os vozeirões dos pais de família davam a ordem de comando às tropas. Nada melhor do que locais públicos para fazer alarde da superioridade masculina, do cabeça de casal que manda em toda a família com mão de ferro. De vez em quando, um grito soava ao longe, escutando-se uma reprimenda ao petiz que queria à força atirar para dentro do carrinho de compras uma qualquer doçaria recentemente lançada que, logo ali, conquistou as suas preferências pela vistosa embalagem. Do outro lado, as palavras agrestes de outro casal já nos seus quarenta: ele trajando uma impecável camisola sem mangas que deixava à vista uma briosa tatuagem, reminiscência dos tempos idos da tropa (“porque o homem só se faz homem quando vai à tropa” – estou a vê-lo, altivo, a sentenciar). Ela, como não podia deixar de ser, envergava o imprescindível vestido de Verão que aligeirava o calor das carnes engorduradas que ali se tinham depositado. Numa crueza impressionante, o diálogo curto e agreste entre ambos revelava a harmonia familiar que deve ter assentado arraiais naquela casa.
Desviei-me para um corredor onde pensava encontrar um certo alimento. Parecia uma rua de Lisboa, com o estacionamento caótico em segunda e terceira fila prejudicando a passagem aos peões. Com a diferença que os automóveis eram substituídos pelos carrinhos de compras atafulhados até ao topo, encostados negligentemente em qualquer lado, sem os donos por perto. Para avançar no corredor era necessário fazer uma gincana entre os carros descuidadamente parqueados enquanto os donos se deslocavam a outro corredor em busca de algo. Era vê-los a chegar, com mais mantimentos carregados pelos braços, para serem despejados nos carrinhos onde já não sobrava muito espaço.
Depois de vencida esta adversidade, dirigia-me ao fim do corredor já sem o obstáculo dos carrinhos de compras mal estacionados. Mas logo outra contrariedade bateu à porta. Ia, com lentidão, em busca do que me faltava para encerrar a odisseia. Uma velha anafada e gorda, óculos muito graduados, atropelou-me. O pedido de desculpa ficou esquecido na arrogância com que me dirigiu o olhar. Por momentos julguei que fosse invisível, tal a forma expedita como a velha levou tudo à sua frente. Se ali estivesse alguém ou alguma coisa, que se desviassem do furacão apressado.
Era chegado o momento de colocar um ponto final no sacrifício. Finalmente, a caixa para depositar as compras e fazer o pagamento. Não sem que antes uma última aventura me fosse proporcionada. À minha frente outro agregado familiar tinha despejado as toneladas de compras no tapete rolante. O pai de família disparatava a torto e a direito contra várias coisas. Ao início não me apercebi do que estava a ser praguejado. A certa altura decidiu teorizar sobre o momento político: que a crise nunca mais ia embora, que a vida está difícil, que isto de sustentar uma família de quatro é tarefa vultuosa; que a culpa é do governo, que cada vez estamos mais parecidos com o fascismo.
Para minha sorte, as carradas de mantimentos da família Antunes (nome imaginário) estavam quase no fim da contabilidade. Não tive que suportar por muito tempo os dislates vindos da ignorância estacionada à minha frente.
Saí do local dando mais uma espreitadela aos espécimes parados nas imensas caixas registadoras do hipermercado. No final da aventura percebi como o PS consegue, de tempos a tempos, chegar ao governo…
Os minutos ali passados, que tiveram que ser encurtados ao máximo, foram um sacrifício inenarrável. O povo tinha desaguado naquele hipermercado. Famílias inteiras: o pai ostentando uma orgulhosa pança sintomática de muitas litradas de cerveja, xanatos mostrando os dedos dos pés, coisa já de si medonha, para mais agravada pelo negrume que por ali habitava; a mãe, vestes aligeiradas como imperava dado o calor estival, com as gorduras expostas, num estranho ritual de comprimir as gorduras como se estivesse a cantar um hino à estética; os filhos, prestes a entrar na adolescência, guiavam o cortejo por entre as prateleiras com as iguarias da sua preferência. Passeavam-se aos magotes, lânguidos e pachorrentos, fazendo horas para o piquenique dominical.
Os vozeirões dos pais de família davam a ordem de comando às tropas. Nada melhor do que locais públicos para fazer alarde da superioridade masculina, do cabeça de casal que manda em toda a família com mão de ferro. De vez em quando, um grito soava ao longe, escutando-se uma reprimenda ao petiz que queria à força atirar para dentro do carrinho de compras uma qualquer doçaria recentemente lançada que, logo ali, conquistou as suas preferências pela vistosa embalagem. Do outro lado, as palavras agrestes de outro casal já nos seus quarenta: ele trajando uma impecável camisola sem mangas que deixava à vista uma briosa tatuagem, reminiscência dos tempos idos da tropa (“porque o homem só se faz homem quando vai à tropa” – estou a vê-lo, altivo, a sentenciar). Ela, como não podia deixar de ser, envergava o imprescindível vestido de Verão que aligeirava o calor das carnes engorduradas que ali se tinham depositado. Numa crueza impressionante, o diálogo curto e agreste entre ambos revelava a harmonia familiar que deve ter assentado arraiais naquela casa.
Desviei-me para um corredor onde pensava encontrar um certo alimento. Parecia uma rua de Lisboa, com o estacionamento caótico em segunda e terceira fila prejudicando a passagem aos peões. Com a diferença que os automóveis eram substituídos pelos carrinhos de compras atafulhados até ao topo, encostados negligentemente em qualquer lado, sem os donos por perto. Para avançar no corredor era necessário fazer uma gincana entre os carros descuidadamente parqueados enquanto os donos se deslocavam a outro corredor em busca de algo. Era vê-los a chegar, com mais mantimentos carregados pelos braços, para serem despejados nos carrinhos onde já não sobrava muito espaço.
Depois de vencida esta adversidade, dirigia-me ao fim do corredor já sem o obstáculo dos carrinhos de compras mal estacionados. Mas logo outra contrariedade bateu à porta. Ia, com lentidão, em busca do que me faltava para encerrar a odisseia. Uma velha anafada e gorda, óculos muito graduados, atropelou-me. O pedido de desculpa ficou esquecido na arrogância com que me dirigiu o olhar. Por momentos julguei que fosse invisível, tal a forma expedita como a velha levou tudo à sua frente. Se ali estivesse alguém ou alguma coisa, que se desviassem do furacão apressado.
Era chegado o momento de colocar um ponto final no sacrifício. Finalmente, a caixa para depositar as compras e fazer o pagamento. Não sem que antes uma última aventura me fosse proporcionada. À minha frente outro agregado familiar tinha despejado as toneladas de compras no tapete rolante. O pai de família disparatava a torto e a direito contra várias coisas. Ao início não me apercebi do que estava a ser praguejado. A certa altura decidiu teorizar sobre o momento político: que a crise nunca mais ia embora, que a vida está difícil, que isto de sustentar uma família de quatro é tarefa vultuosa; que a culpa é do governo, que cada vez estamos mais parecidos com o fascismo.
Para minha sorte, as carradas de mantimentos da família Antunes (nome imaginário) estavam quase no fim da contabilidade. Não tive que suportar por muito tempo os dislates vindos da ignorância estacionada à minha frente.
Saí do local dando mais uma espreitadela aos espécimes parados nas imensas caixas registadoras do hipermercado. No final da aventura percebi como o PS consegue, de tempos a tempos, chegar ao governo…
5 comentários:
Ah ah ah nada melhor para começar o dia do que ler o teu Blog!! Hoje senti-me tentada a colocar um comentário por subscrever inteiramente o retrato sociológico que descreves, ontem à noite foi a minha vez de enfrentar tal façanha...volta mercearia do Sr. Coimbra, volta volta!
Camélia
Pois é meu caro.......
O "Continente de Matosinhos", esse local emblemático da cultura nortenha e suburbana no que ela tem de pior ( será que tem alguma coisa boa), exemplo do pior que temos neste país, frequentado por toda uma classe de consumidores acéfalos , brutos, incultos, teledependentes e quase todos sócios do fêcêpê ( com algumas variações vermelhas).
Pais que batem nos filhos, nas mães ( até as matam aí pelo Norte),gritam com os vizinhos, com os passantes, cospem no chão, deitam lixo para o chão, não respeitam as filas, empurram, gritam, consomem consomem,desrespeitam....
Por mim prefiro o estacinamento em segunda e terceira fila de Lisboa, quer se queira quer não a unica concentração de pessoas civilizadas em Portugal; mas também temos cá o nossos exemplos caracteristicos, mas surpresa das surpresas..... quase todos eles vieram do Norte.
Confesso que não entendi essa do PS.E o PSD? e o CDS?
E também te digo mais.....
A concentração de seres pensantes, opinativos, activos na sociedade no Bloco de esquerda dá dez a zero aos outros partidos todos.
Os quase 200 mil votantes do Bloco,na maioria, são pessoas muito bem formadas.........ah!!! e de certeza que não vão ao Continente de Matosinhos.
Experimenta da próxima fazer as compras no Carrefour ( mais longe mas sem tantos encontros imediatos) sempre te distancias mais desses exemplares que povoam maioritáriamente a tua cidade maravilhosa .
E vem até ao estádio de Alvalade onde se pode ver o futebol com pessoas bem formadas ( tenho lá um lugar-sócio 4069).
Experimenta mudar e evoluir.
Carter
Mas que fino, quando fôr grande quero ir morar para Lisboa, sempre gostei muito de tal cidade mas a ver pela descrição deve ser o paraíso na terra! Então vá Supê Tio do intelecto!
Caro Carter,
Agora surpreendeste-me. Aquilo que tenho retirado do que escreves não me levava a ver-te tão traumatizado com a "cultura nortenha".
Aquilo que fizeste neste teu comentário foi o que também criticas. Ao colocares as coisas nestes termos, estás mais próximo do domingueiro do Continente, do que intelectual de esquerda do Carrefour.
Na minha opinião, o que se passa no Continente de Matosinhos ao domingo é o que se passa noutros Continentes do país ao domingo. Só muda o sotaque.
Sinceramente Carter, vejo-te noutro patamar, no qual não entrariam estas guerras regionalistas básicas.
Um abraço,
Ponte Vasco da Gama
P.S. - Mas se o que querias era animação no blog, parabéns!
Oh, seres (supostamente) pensantes,
Quem é que, no seu juízo perfeito, vai a um hipermercado de QUALQUER CIDADE DESTE PAÍS a um fim de semana? As compras de hipermercado (seja ele qual for) fazem-se durante a semana, depois de um "early dinner".
Quando temos mesmo de lá ir ao fim de semana é para comprar só o essencial, aproveitando as vantagens das caixas expresso.
Mais uma vez, concentremo-nos no essencial e esqueçamos o secundário: o que interessa é abastecer a nossa despensa de forma rápida e eficiente, o resto é paisagem!
Como dizia um amigo há pouco tempo, tudo se resume a uma palavra: tolerância. Quem não a tiver (como eu!), faz compras fora do horário "nobre". Pela sua própria saúde.
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