13.8.04

Emigrante, foste longe e regressaste!

É Agosto, é mês de férias, mês da invasão dos emigrantes que andam lá fora a dar o duro para construir uma vidinha mais confortável. É o tempo de regressarem à santa terrinha que deixaram para trás, anos idos, fugindo à miséria que então por aqui era jactante. Vêm matar saudades da pátria, num apego às raízes que deixaram sementes que não se renegam.

Há um par de dias, vi uma reportagem que dava conta de uma situação absurda vivida na repartição de finanças de Bragança. Em mês de férias, também os funcionários públicos que ali trabalham gozam o período de descanso, deixando a repartição com pouca mão-de-obra disponível. A enxurrada de emigrantes e uma lei que impõe novas obrigações relacionadas com o imposto municipal sobre imóveis concorreram para que os emigrantes aproveitassem a deslocação para cumprirem tais obrigações legais.

Sem surpresa, desaguou um mar de gente à porta da repartição de finanças. As pessoas queixam-se, como o microfone da repórter teve ocasião de captar para a posteridade. Queixam-se de que tinham passado o dia anterior metidas na fila e não tinham sido atendidas. Queixam-se que, para evitar mais um dia perdido, acamparam à porta da repartição às seis da manhã. Uma senhora mais empertigada diagnosticou o problema e sentenciou a solução: “é uma vergonha! Não há respeito nenhum pelos emigrantes. Estamos aqui de férias, em descanso, e obrigam-nos a perder todo este tempo. Devia haver um posto de atendimento só para emigrantes!

Outros contribuintes que esperavam concordaram com a emigrante que, sem papas na língua, ali esboçou a solução. Vale a pena repousar sobre a proposta, para assimilar as suas consequências. De acordo com esta senhora, como ela veio lá de longe para a terra mãe deviam ser-lhe reconhecidos privilégios no atendimento. Uma discriminação positiva que distinguisse os emigrantes em detrimento dos nativos. Estes teriam que ceder a vez sempre que surgisse uma pessoa emigrada numa repartição pública. Donde se infere que os emigrados que regressam temporariamente à terra são elevados à condição de cidadãos de primeira. Os que cá vivem são relegados para uma condição secundária, obrigados a estender a passadeira vermelha a suas excelências, os emigrantes.

Para quem está habituado à poluição visual, sonora e estética que invade Portugal quando os emigrantes desaguam vindos nas suas voitures espampanantes, este exemplo de miopia intelectual não surpreende. Caindo no risco de ser acusado de elitismo, a verdade é que da emigrante que traçou o diagnóstico e avalizou a sentença não se poderia esperar mais: deduz-se que a inteligência não abunda por aquelas paragens.

Recordo-me de outro depoimento inflamado, em que outra emigrante puxou o lustro à peixeirada e, alto e bom som, verberou a diferença de tratamento dos funcionários públicos portugueses e franceses. Lá, na distante França, até a tratam por “madama”; ali, no recôndito nordeste lusitano, os funcionários públicos envergam má cara e fazem o frete no atendimento, disparando palavras secas e nada simpáticas. Primeiro, talvez seja falta de hábito, porque por aqui, na função pública, abunda a falta de educação. A atitude típica é a de que os funcionários estão a fazer um especial favor ao atenderem os utentes. Segundo, a avaliar pela postura da queixosa, não se pode dizer que ela era o paradigma da boa educação. Rispidez quanto baste brotava da senhora, que espumava a impaciência pelo tempo perdido na repartição de finanças. Só resta perguntar se é esta postura arrogante que ela transporta para as repartições públicas na França que a acolheu. Se a tratam por “madama”, adivinho que na França longínqua ela se comporta como uma cordeirinha afável…

Dizer que gostos não se discutem é um lugar-comum, típico de um relativismo em moda. Duvidar da estética dominante que os emigrantes trazem até nós é um direito que assiste a quem não se revê nessa estética. Da mesma forma que temos que respeitar os gostos que eles carregam consigo, também nos tem que ser admitido o direito de os execrar. Sem entrar mais a fundo nesta polémica subjectivista, há algo que me parece mais pacífico: o comportamento típico dos emigrantes quando põem os pés na santa terrinha que deixaram para trás. A arrogância é a nota distintiva, a postura de superioridade, como se o visível bem-estar material que exibem fosse a razão para se colocarem num pedestal acima dos seus concidadãos que não tiveram a arte e o engenho de se aventurarem no estrangeiro.

É nestes momentos que apetece glosar os versos desse ícone da cultura nacional, Manuel João Vieira (Enapá 2000):

Emigrante, emigrante
foste longe e regressaste;
emigrante, emigrante
não sei porque tu voltaste
”.

4 comentários:

Anónimo disse...

Apoiado!
Ainda por cima porque os emigrantes voltam a uma terra que abandonaram. Sim, abandonaram. E agora vêm com ares de superioridade para quem cá ficou a trabalhar para melhorar a sua vida e a do seu país.
Se estão tão bem lá pela estranja, então fiquem por lá! Não venham conspurcar a pátria de quem cá ficou.

Até sempre,
Connecting People

Anónimo disse...

O problema DESTES emigrantes é que esquecem que o país que deixaram não parou. Têm em relação ao país uma certa mágoa ("aqui não me deram oportunidade, lá fora sim") e quando regressam nas férias procuram publicitar, de forma estupida muitas vezes, como a sua opção foi a melhor - "aqui está tudo na mesma (um atraso de vida) e lá fora é que é bom (vejam o meu carro)!".
Destaquei ESTES emigrantes, os que referes no teu texto, porque acho que na prática não serão assim tantos. Obviamente será impossível quantificar, mas julgo que não chegarão a 30% dos que emigram. O problema é que os outros vão, voltam e ninguém dá por eles. ESTES, quando voltam, é impossível não os ver nas estradas, nas filas dos super-mercados a falar francês, na praia aos gritos (dialogando em francês e insultando em português).
Digo isto porque acho que não podemos ignorar a importancia dos emigrantes para o nosso país. Não só pelas divisas que trazem, pelo que aprendem de positivo noutras culturas e importam e pelo que dignificam o nosso país (o português é geralmente visto como um excelente trabalhador - em todas as categorias profissionais). Por outro lado, quem tem a sorte (ou o azar) de nascer fora do litoral, neste país, e ambiciona uma carreira profissional bem remunerada, não tem outro remédio senão "emigrar" para o litoral ou para o estrangeiro. Se isto hoje ainda é um facto, há 30 ou 40 anos era uma fatalidade.
Enfim, uma minoria espalhafatosa acaba por determinar a imagem do todo.

Ponte Vasco da Gama

PVM disse...

Não foi minha intenção proceder a generalizações. Há a regra e a excepção. Só não tenho a mesma certeza quanto à quantificação (se calhar é mais do que 30%...).
O que quis demonstrar foi a tendência destes “emigras exibicionistas” para, uma vez chegados à santa terrinha, desatarem a aspergir os seus ares de superioridade em relação aos “pacóvios” que não saíram daqui. O que aconteceu em Bragança, com a velha a reclamar primazia no atendimento aos emigrantes, é mais uma manifestação disto mesmo – com a diferença que nunca tinha assistido a tal exibição de pedantismo no passado.
O que é mais interessante é eles pavonearem a sua superioridade material (pelos sinais exteriores de bem-estar que exibem) sem se darem conta da piroseira que arrastam atrás de si…

bruno94 disse...

Filho de Emigrantes, tenho que responder ao que eu li! posso dar erros na lingua como escrevo mas julgo que não ha como os emigrantes para representar o amor a PORTUGAL! só la vou de férias e não podia ficar um ano em PORTUGAL porque la todos querem boa vida com pouco trabalho, é so ver as construções, em frança um imóvel é 3 ou 4 mêses, em portugal na minha terra está la um a fazer a mais de dois anos! E as estradas! Um perigo que nem se quer dois carros passam ao mesmo tempo! Os portugueses tambem querem viver sem poder e fazem creditos por sim ou por não e depois o resultado está a vista, nãp ha dinheiro.. E tambem estar a falar mal das pessoas que ajudem o país porque quando vou la em avril e que os preços das coisas alimentar sao ums e quando no mês de agosto são outros, ai ninguem diz nada; ai sim desculpa, dizem que temos dinheiro a vontade,nem se quer temos a vontade mas trabalhamos duro para que isso acontece,quem não gostaria de gastar sem pensar?! Era só a opinião de um filho de emigrantes que não gostou muito do que esteve a ler, e tive que me exprimir
E para terminar modifiquei aquela ultima frase por uma que faz mais sentido :

"Emigrante, Emigrante
Foste longe porque eras obrigado
EMigrante, Emigrante
Para o que fazes pro teu país,
MUITO OBRIGADO! "

VIVA PORTUGAL!