Refiro-me às pequenas obras que são o maior tormento de quem se desloca pelas ruas. Daquelas obras que, para os especialistas, são “pequenas intervenções”. Mas que para os transeuntes se transformam em grandes transtornos. As obras que esburacam as ruas ou os passeios, ou os dois ao mesmo tempo. Para colocar infra-estruturas de gás ou cabos telefónicos. Muitas vezes, para pasmo de quem frequenta com assiduidade essas ruas, duas ou três semanas depois de terem sido (mal) tapadas, voltam a ser esventradas nos mesmos locais. Sinal de que a programação é refinada: em vez de todas as intervenções serem planeadas de uma só vez, cava-se, tapa-se e volta-se a abrir a cova.
Os que se resignam com este estado de coisas que roça a negligência dirão que é um mal necessário. Sinal do progresso que traz mais bem-estar, há que esventrar as ruas para plantar as infra-estruturas que saciam a demanda de bem-estar. Incomodam-se com os buracos a céu aberto, sabem que têm que suportar um trânsito infernal, se forem utilizadores pedonais têm a consciência que os seus sapatos hão-de ficar imundos com a lama das obras. Mas resignam-se: é o preço a pagar pelo avanço da civilização.
Há quem não suporte as irritantes demoras das obras. Na espera para passar o local em obras, dá para perceber a produtividade de quem lá trabalha. O ritmo oscila entre o devagar e o devagarinho. Não admira: obras públicas são para ir fazendo. São pagas com o dinheiro de todos nós. Portanto, o dinheiro de ninguém. Os prazos são para ir cumprindo. Nestas intervenções aplica-se a máxima tão agrado do português preguiçoso: se não for para hoje, será para amanhã.
As obras têm que ser feitas nas horas de expediente, quando mais gente frequenta as ruas. Outra coisa não seria de esperar: os trabalhadores têm direito ao descanso nocturno, e nem os sindicatos alguma vez permitiram que este direito inalienável fosse beliscado. Como é sabido, há que proteger os interesses das minorias, mesmo que atente contra os interesses de uma vasta maioria. É a democracia no seu esplendor.
Não é só o tempo da obra que deixa o contribuinte de cabelos em pé. As coisas pioram quando se olha para a qualidade. O produto final é exasperante. Não se trata de saber se as infra-estruturas estão bem aplicadas. O pior é o que fica à mostra. A regra: onde antes havia asfalto passa a haver um amontoado desordenando de paralelepípedos. Onde antes os carros passavam sobre um liso tapete de asfalto, agora o desconforto do piso irregular. Há obras que são acabadas com tanta incompetência que apetece perguntar onde estavam os engenheiros que permitiram o remendo desqualificado, ou onde tiraram os seus cursos de engenharia.
Estas obras – e a forma como são concluídas – exemplificam o desrespeito pelos utentes das ruas. Afinal, o desrespeito por quem paga essas obras. Já não bastam os transtornos causados durante o longo período em que decorrem as obras, depois herdamos a lógica do remendo que estraga as ruas. Será o asfalto assim tão caro que não seja possível usar uma camada para tapar o buraco? Mesmo na hipótese absurda da utilização de paralelepípedos para tapar o buraco, não haverá a mínima diligência para fazer um remendo decente?
Conclusão elitista: é o mal dos trolhas que temos, mais preocupados em encher a pança com a cerveja durante as horas de trabalho, mais atentos às beldades que desfilam, sempre prontos a disparar os piropos mais alarves. Para isso estão qualificados. Para o que se espera que sejam as suas funções, é a incompetência que se mistura com a negligência. As brigadas municipais que fazem estas intervenções são o mostruário do que a função pública tem demais execrável: não ser chamada à pedra pela qualidade dos serviços (mal) prestados. Com o sacrifício de quem nada pode fazer para alterar as coisas – o destinatário dos serviços, que por acaso é quem os paga com os seus impostos. A privatização não lhes faria mal.