Já acompanhava o escândalo do “mensalão” há algum tempo – ainda o caso não tinha a ressonância nacional descoberta há dias, com as suspeitas de envolvimento da Portugal Telecom e do Banco Espírito Santo. Pouco me importa saber se estas duas empresas caíram no engodo. Interessa-me o escândalo da corrupção, os sinais que envia, a queda de um mito que se quis edificar antes do tempo.
Confesso o preconceito: nunca acreditei que Lula da Silva fosse o salvador de um país à deriva. O Brasil que se resume ao Carnaval e às conquistas do futebol, empenhado por sucessivas levas de políticos corruptos e incompetentes, escolheu Lula para a presidência após um punhado de derrotas eleitorais que ele sofreu. A perseverança compensa. Lula é exemplo disso. Em vez de se deixar abater pelas sucessivas derrotas, porfiou e conseguiu chegar à presidência do Brasil.
A sua biografia foi sendo meticulosamente construída para surgir como o novo Messias das esquerdas sempre carentes de figuras emblemáticas. Uma biografia impregnada de romantismo, como convém quando há que mobilizar os fiéis. Um Brasil rendido ao novo Messias não se cansava de tecer loas à esperança que Lula personificava. Por todo o mundo, as esquerdas militantes descobriram o seu Che Guevara do final do século XX. O Brasil estava na rota do sucesso e Lula era a pedrada no charco do pensamento único desafiado pelos activistas da alteridade. E o Brasil era mais uma lança desafiando a hegemonia dos Estados Unidos, juntando-se a Cuba e à Venezuela.
Já o disse, por preconceito nunca acreditei que Lula pudesse resolver um problema chamado Brasil. Não fui às lágrimas com a história comovente do operário que singrou no activismo sindical e chegou à presidência. Não me impressionam os dotes de um quase analfabeto, que consegue (ou alguém por ele) esboçar discursos que cativam as massas catequizadas no arrebatamento da “justiça social”. Apostei que Lula seria um enorme flop. O tempo do seu mandato não o deixa desmentir. As promessas embrulhadas no romantismo do discurso foram caindo, uma a uma, perante a inevitabilidade do mundo em que Lula vive e que ele não consegue mudar. O homem da rebeldia das causas e vestido de forma descomplexada cruzou-se com a ortodoxia da política mundial e com os vistosos fatos com gravata a condizer. Para piorar, Lula e seguidores foram apanhados na mácula do grande mal que empesta o Brasil – a corrupção.
Pelo que tenho lido, os fazedores de imagem de Lula têm-se desdobrado em esforços para mostrar a inocência do presidente brasileiro. A culpa é distribuída por assessores e ministros, que terão engendrado o esquema que distribuía, debaixo da mesa, fartas compensações a deputados de partidos da oposição para anuírem nas propostas dos partidos que sustentam Lula no parlamento. Lula, o ingénuo, aparece nesta história como a mulher traída – foi o último a saber. Mesmo os que querem acreditar na historieta acabam por cair numa esparrela: afinal Lula não manda no Brasil, antes a corte que o rodeia. Lula seria, por este prisma, um verbo-de-encher, uma figura de retórica que embeleza o romantismo que faz as delícias de certas esquerdas.
É um deus com pés de barro que se escaqueira sem remissão. O poder corrompe, seja detido por pessoas de esquerda ou de direita. E confirma-se a máxima que se identifica com a praxis de Mourinho, que tanto furor faz por estes dias: todos os meios valem para atingir os objectivos. A retórica ganhadora leva as pessoas a descompensações de comportamento, porque só interessa ganhar, vingar, vencer, atingir objectivos delineados. Pouco importa saber como lá se chega.
Lula e o seu séquito são apenas mais do mesmo. O que não é surpresa: nisto de ceder à corrupção, a tentação é mais forte para aqueles que vieram do nada e que um belo dia se viram com o poder nas mãos. Deslumbrados, nem sabem o que fazer a tanto poder. Percebem que podem manusear somas astronómicas como em tempos idos nem sonharam. É a diagnose do subdesenvolvimento. O Brasil não escapa, nem a elite que agora detém o poder. Para desconforto das esquerdas que tanta fé depositaram no herói Lula. Não desistam: outros heróis hão-de encontrar, ou fabricar, para se manterem fiéis aos seus ideais. Estranha forma de religiosidade!
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