Os U2 foram premiados, mas quem se destaca pelo protagonismo é Bono, o vocalista. Já alguém lhe chamou, em tom jocoso, o secretário-geral das Nações Unidas, tamanho o activismo pela “causa justa” do combate à pobreza, pela denúncia do pouco que os países ricos fazem para retirar os países pobres do subdesenvolvimento. Sampaio quis mostrar que está de acordo com a visão dominante: a pobreza dos povos é iníqua, os ricos são apontados a dedo pelo laxismo e pela insensibilidade perante a pobreza. Sampaio quis ficar bem no retrato – especialmente junto de uma camada da população pouco politizada, os jovens ingénuos que aplaudem com entusiasmo iniciativas do género.
Na vacuidade geral, as emoções alojam-se à flor da pele quando se escutam palavras feitas que são belas na forma mas ocas no conteúdo. Bono é um digno representante da classe. Continua a pensar que os problemas da miséria, da fome, da pobreza se resolvem com um maior empenhamento dos países ricos e das malditas multinacionais. Contextualizando: empresas e países ricos devem transferir mais e mais dinheiro para os países pobres. Quem defende esta ideia passa uma esponja pelo passado da ajuda ao desenvolvimento. Há quem se tenha esforçado por provar que a simples doação de dinheiro não é virtuosa, como o pensamento dominante e demagógico ensina. Tem-se tentado provar que grande parte desse dinheiro apenas enriquece uma reduzida casta de privilegiados nos países de destino, que não hesitam em fazer da corrupção o esteio de cleptocracias hediondas. Uns poucos (muitos escassos) ostentam riqueza, contas bancárias na Suiça, um património incalculável; a larga maioria da população, mergulhada na miséria, a padecer de fome, estigmatizada pela pobreza.
Nunca tive em boa conta Sampaio. A tibieza é a sua principal característica. Personagem de lágrima fácil ao canto do olho, estranhei que na cerimónia de condecoração não tenha puxado ao drama e a sua voz não se tenha embargado, ao descrever o terrível drama que afecta os povos asfixiados pela pobreza. Talvez as comendas ao grupo irlandês não tenham sido manifestação espontânea do sentir sampaiês. Apenas um esforço retórico para se colar à grande vaga de fundo que percorre a juventude consumidora de Live Aid e quejandos. Se Sampaio não percebe da poda, que algum conselheiro, da vasta corte que o rodeia, lhe tivesse dito que estes movimentos são muito eficazes como meio de perpetuar o sucesso comercial dos artistas que contribuem para os espectáculos que num dia – num escasso dia – relembram que a pobreza existe. No dia seguinte volta tudo a ser como antes: pobres ainda e sempre pobres.
Durante a performance em Alvalade, Bono terá pedido ao primeiro-ministro português para se empenhar na luta contra a pobreza. A multidão exultou, numa espécie de promessa de eterna fidelidade à noiva. Aposto que a fidelidade findou quando deixaram Alvalade. Aposto que Sócrates, se tivesse ouvido, teria imediatamente correspondido ao repto do cantor. Para, logo no dia seguinte, tudo cair em saco roto. Entretanto, as massas excitadas acenavam pavloviamente a cabeça às mensagens dramáticas do tal sucedâneo de secretário-geral das Nações Unidas. Como se estivessem hipnotizadas, sem terem bem a noção que o verdadeiro remédio para a pobreza está num velho ditado chinês, de Confúcio: “não lhes dês peixe, ensina-os a pescar”.
Regresso às comendas presidências, ao ridículo em que estão embrulhadas. Ninguém melhor do que o grande Manuel João Vieira para retratar esse ridículo. No DVD duplo que comemora vinte anos de carreira artística deste ícone da cultura portuguesa, o homem aparece retratado em poses que são a caricatura dos agraciados: fatinho bem posto, faixa à lapela simbolizando a comenda, os sapatos esquecidos desnudam os pés, com as calças arregaçadas para impedir que a muita água que por aí se mete venha molhar a fatiota.
Se este Vieira levasse por diante a brincadeira da sua candidatura presidencial, abria uma excepção no meu abstencionismo metódico. E ainda bem que não houve nenhum Sampaio que se lembrou de Manuel João Vieira para as comendas da república. Este esquecimento é a melhor homenagem que se pode prestar ao grande artista.
1 comentário:
Vês o que te interessa, criticas no pouco que a tua limitação te permite.
Sai do conforto da toca e sente o pulsar do mundo; da Ásia a África há muito mais do do que os teus conceitos esteriotipados permitem ver.
Existe uma realidade, que não olhaste e não cheiraste; existe sofrimento e amor;a vida e a morte; existe o mundo, o mundo vetusto de milhões de anos que tu vilipendias dentro das tuas pequeninas quatro paredes fisicas e intelectuais.
Bem haja o Bono, os U2
Bem haja o mundo
Bem haja a esperança de um mundo melhor para os nossos filhos.
Bem hajam todos os que acreditam
Eu Acredito
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