26.8.05

Os farejadores de droga

Em dois dias seguidos repetiu-se a cena cómica na estação de comboios de Brighton. Enquanto esperava pela chegada do comboio, reparei que alguns polícias deambulavam pelo átrio da estação acompanhados de cães.

Ao início não percebi a razão da presença dos canídeos. Só quando os vi em acção desfiz as dúvidas. Ao chegar um comboio, as pessoas encaminhavam-se para a porta da saída, onde tinham que validar o bilhete numa cancela própria. Formava-se um funil onde os passageiros abrandavam a marcha. Depois de passada a cancela, estava a brigada policial com os cães atentos, de faro emproado. Depois era vê-los em acção, com uma diligência impressionante, em busca de viajantes que transportassem estupefacientes. Quase sempre miúdos, adivinho que na posse de drogas leves, tal a idade imberbe que não deixa supor a dependência de drogas pesadas.

Os cães estavam imóveis, mas atentos. Num ápice, punham as orelhas no ar e desatavam a perseguir a vítima que ousara trazer substâncias ilegais. É de perseguição em sentido estrito a que me refiro. Percebe-se então quão apurado é o faro dos cães. E como os destas brigadas são treinados para detectar a posse de estupefacientes. Mal sentiam o mínimo odor a droga, os cães despertavam da aparente indolência e saltavam, que nem uma mola, em busca do miúdo que escondia a substância proibida. Quando o miúdo era detectado pelo cão, logo alguns polícias o cercavam para a imobilização necessária. O cão, ilustrando o significado da fidelidade canina, ajoelhava-se aos pés do miúdo e dali já não saía mais. Mostrando à divertida audiência que tinha cumprido a sua missão. O miúdo, envergonhado por todos os olhares estarem concentrados em si, exibia surpresa pelo método. Depois era encaminhado para uma esquadra, provavelmente para uma rotineira operação de identificação e registo de cadastro.

Aos pobres cães, treinados na detecção de estupefacientes, resta a frustração de lhes ter sido lançada água na boca sem provarem o pitéu. Que é como quem diz, foram teleguiados pela dependência crónica destas substâncias, descobrem o infractor e não têm direito ao seu quinhão. Ficam com a água na boca, numa violência inusitada – por terem sido educados na dependência da droga, e por lhes estar destinado o nada depois de farejarem à distância as tais substâncias de que tanto gostam.

Mais um mostruário da instrumentalização dos animais. Só a questão de saber se é legítimo viciar estes cães na droga levanta dúvidas. Podem alguns dizer que é um mal necessário, e que a sociedade deve ter o pragmatismo de admitir que os animais irracionais se encontram ao serviço da espécie humana. Não há problema em formar brigadas caninas para detecção de estupefacientes, porque esta “chaga” atingiu proporções tão preocupantes que todos os meios são legítimos para a combater. Não sou da opinião que todos os sacrifícios impostos aos animais sirvam para validar a suposta superioridade humana. Esta é uma visão umbiguista, que expõe o humano a uma eticidade duvidosa. No fundo, educam-se caninos toxicodependentes para denunciar toxicodependentes humanos, para combater o que se convencionou chamar “tráfico de estupefacientes”.

O lado escondido desta história não é agradável. Os cães treinados na detecção de drogas ficam frustrados quando descobrem um viciado. A imagem do cão que se ajoelha aos pés do miúdo que traz consigo umas pedras de haxixe é sintomática. O cão desempenhou a sua tarefa e sabe que ali, aos pés do miúdo, está o material em que o viciaram. Sem que, naquele momento, o cão possa ser premiado pelos seus serviços diligentes. Só mais tarde, no canil da polícia, às escuras da sociedade, os canídeos terão direito à dose que os mantêm no deplorável estado de viciação.

Descubro, agora, o destino das drogas capturadas após as espectaculares operações policiais. Aquela droga, exposta num orgulhoso escaparate para comunicação social ver e difundir, será utilizada para manter as brigadas caninas agarradas ao vício crónico. (Nem toda é incinerada, portanto; e será que a aritmética é linear ao ponto de nos dizer que a soma da parte incinerada com a parte destinada aos canídeos representa a totalidade das apreensões?) Estes cães vivem no mesmo sofrimento dos toxicodependentes quando atravessam a fase da ressaca e se prolonga o período de secura de consumo. Eis como as autoridades recorrem a substâncias ilegais para capturar os humanos que violam a lei por transportarem ou traficarem essas mesmas substâncias. Que raio de moralidade, a que se associa a esta forma de fazer cumprir a lei…

1 comentário:

Anónimo disse...

Cara vc está completamente equivocado quanto a forma de adestramento destes cães,antes de publicar tal matéria deveria buscar conhecimento, sem comentários! ! !