Os lugares por onde andaste. As pessoas que conheceste. E os cheiros, os sabores, as imagens retidas na memória. Um património que se sedimenta numa existência alongada. E, no entanto, tanto ainda por viver. Tanto ainda por saborear, por conhecer, tantas as palavras por falar, as ideias por desvendar. Tantos os caminhos a percorrer, novos lugares que chamam por uma visita, outros que pedem revisitação. Na penumbra do tempo vindouro, a certeza inquebrantável de o querer sentir com as forças que te habitam.
Já to disse antes – o passado tem a inutilidade de ser tempo que não voltas a tocar. Se há algo que te compensa é saberes que as memórias povoam o pensamento, as boas e as más. Das boas, a sensação reconfortante, a seiva do bem-estar que te tocou de perto. Das más, a honestidade de não as varrer do mapa como se fosse um passado apagado da memória, tempos e lugares e pessoas ficcionadas como não personagens do retiro da tua vida. E sim, dessas memórias menos agradáveis, retirar a expressão sumarenta – as lições que ficam dos erros cometidos.
É nessa inutilidade do passado que concluis: o arrependimento só se conjuga com o futuro. É aí, nesse tempo ainda ausente, que podes julgar a incapacidade para seres tu mesmo, total e íntegro, sugando o tutano que a vida oferece, toda a sua riqueza sem fim. Esse é o desafio. Saber quais os caminhos a percorrer, os insondáveis mistérios que trazem a grata sensação de seres surpreendido. No inesperado resguardam-se as maiores gratificações dos dias que se espraiam no teu porvir.
Hás-de encontrar encruzilhadas. Hesitas. Emudecido pela dúvida, dividido pela direcção a tomar, sem saber se deves obediência à racionalidade castradora ou se deixar vingar os impulsos soltados pela espontaneidade. Os minutos que se acumulam na densa bruma da dúvida transgridem o espontâneo, remetem-no para o sepulcro do que já foi. É a razão que se apodera de ti, ditatorial, beneplácito que aquieta o espírito hesitante: temes que a espontaneidade te leve por veredas aprazíveis ao início, mas traiçoeiras e sem retorno depois. A prudência aconselha a abjurar o risco. A hesitação, que tanto tempo consumiu, a conselheira do império da razão.
Temes que a cautela vede outros locais, coíba a experiência do ainda desconhecido. Também não tens a certeza se queres conhecer a dimensão desconhecida. Nem sabes, ao certo, o desconhecido que poderias querer experimentar. E receias que a rotina vença e te invada com uma vida mecânica. Continuas dividido. Sem saber por onde seguir. Cada metade de ti clama pela asfixia da outra metade que esmaga uma vontade férrea, ou de mudar ou de insistir na continuidade. Perdes tempo sem fim nas elucubrações que levam a lado nenhum. Quando reparas no tempo perdido, e que te encontras no mesmo local, saboreias a decepção do inamovível.
Não há mistério que queiras resolver. Por saberes que os mistérios, quando passam do limiar do indecifrável, perdem a aura encantadora. Quando deixam de ser enigmas, quando chegam ao altar das certezas, perdem o interesse. Sabes então que podes partir em busca de outras dúvidas que te consumam o pensamento a eito. Terás a ingrata experiência de seres invadido por um dilema. Se resolves as dúvidas, a amargura de saberes que tanto tempo levou para deslindar o mistério. A tal sensação vazia quando sentes que dobraste as tormentosas dúvidas. Uma certeza que mareja dentro de ti com um odor de vazio. Mas se chegas ao fim da linha e não arranjas solução para a dúvida, deixas-te dominar pela amargura, agora a amargura de não teres solução para o dilema que pairou sobre ti.
Renegas as certezas, pela indolência do espírito, o seu sinónimo. Preferes navegar num imenso mar de dúvidas. E se a navegação for por entre vagas tormentosas, melhor. O remanso do espírito é-te indiferente. É uma anã forma de viver, no beiral da letargia. Queres uma tempestade cerebral constante, cheia de fulgurantes raios vomitados por incandescentes trovoadas que iluminam um céu escuro. É nessa luminosidade que procuras as nesgas por onde se entreabrem as portas nas voluptuosas encruzilhadas.
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