As conotações, essas são difíceis de despegar. As conotações partidárias pairam sem possibilidade de deitar mão a um tira nódoas que as apague. Depois sobram as filiações partidárias quando saltam nomes como candidatos a tentadoras sinecuras. Por mais que venham diligentes comissários políticos sentenciar a “normalidade” dos factos, só se for para apaziguar os espíritos distraídos e para auto-convencimento das hostes do partido.
Acho deliciosa a inversão de influências que um famoso banco, tão conhecido pela publicidade kitsch, está prestes a caucionar. O banco sempre foi conotado com a Opus Dei. Agora que se esgotou a paciência para as diabruras financeiras dos administradores colocados pela Opus Dei, e que o governador do Banco de Portugal, no enésimo frete ao partido do seu coração, sugeriu a demissão desses administradores, terreno desbravado para o take over do partido do governo ao banco. Toda a estratégia bem arquitectada ao milímetro, com o necessário beneplácito do governador do Banco de Portugal, que parece mais interessado em garantir lugares na alta finança a correligionários de partido do que a respeitar o preceito da independência política do banco central, como é exigido na União Europeia.
Se há crítica comum ao regime em que vivemos é o da presença excessiva dos partidos – dos grandes partidos. A cada dia que passa, os grandes partidos afadigam-se em dar razão a quem critica a partidocracia que asfixia a cidadania. O estado comatoso a que chegámos tem expressão no episódio do banco kitsch, quase a ser a noiva oferecida em altar aos senhores colocados pelo partido do governo. É uma transferência de “quadros” (já explico de seguida as aspas) do banco “de todos nós” para o banco que era da Opus Dei e que vai passar a ser controlado pelo partido do governo. Falta saber se há aqui o dedo de zelosos estrategas que descobriram um meio de financiamento generoso e duradouro ao partido que açambarcou o poder. Que é o mesmo que insinuar uma forma de perpetuação no poder, que o dinheiro conta cada vez mais para tudo o que seja.
Algum cinismo fermenta um sorriso mordaz. O episódio do take over do banco da Opus Dei pelo partido do governo mostra as virtudes da democratização do que quer que seja. Neste caso, a democratização da alta finança. Já não é uma coutada para entendidos, gestores especializados no complexo negócio bancário, com pós-graduações, MBA e até doutoramentos tirados em consagradas universidades estrangeiras, ou apenas para a nata vinda das famílias que sempre estiveram no negócio bancário. Agora temos comissários políticos que se fartaram das sinecuras em órgãos do Estado e se dedicaram a fazer fortuna à conta de sumptuosos cargos no banco do Estado. Mesmo que se lhes não conheçam atributos que justifiquem cargos tão elevados – a não ser que terem trabalhado na caixa da agência da terriola transmontana, antes de terem subido na escada do carreirismo partidário, seja penhor do exercício de tal cargo. Afinal estamos na vanguarda: temos dezenas de milhares de potenciais administradores de alta finança. Tantos quantos os funcionários dos bancos.
Eu acho bem. A democracia põe todos no mesmo nível. Todos temos direito ao nosso pedestal. Pena é que apenas aqueles que souberam filiar-se no partido certo, que têm especiais predicados para conhecer as pessoas certas, fazer os pedidos certos no momento ideal, sem sequer mostrarem aptidões para subirem a tão importantes sinecuras, estes é que acabem por vingar. Depois há quem estranhe que continuemos viciados num atraso que já nos vai deixando atrás de países de leste que só há dois anos entraram na União Europeia. A mediocridade não está apenas no exemplo destas carreiras políticas meteóricas que premeiam medíocres. A mediocridade também está no escol de gestores que não consegue resistir às tentações do vil metal e sucumbe diante de provas de gestão danosa. Merecem-se uns aos outros: os medíocres que ascendem na escala reservada do carreirismo partidário e os senhores da alta finança que se abarbatam com somas astronómicas e caucionam negociatas no limiar da ilegalidade.
O que sobra desta sequência lamentável de acontecimentos são as consequências para o futuro: temo que mais e mais gente se convença que tem que beber da mesma fonte que permite o sucesso aos carreiristas. E que mais e mais gente se ofereça no altar promissor dos grandes partidos, oportunistas à espera da repartição de sinecuras. Continue o partido no poder, ou seja ele substituído pelo partido rival que se limita a dar seguimento a mais do mesmo. No rescaldo, os tentáculos da partidocracia engrossam-se e cercam a cidadania por todo o lado. Até que se confundam com ela, deixando-a exangue de forças. Só não sei se não será essa a forma moderna de ditadura – uma ditadura dos partidos dominantes.
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