Que não se desdenhe da inditosa sorte dos desprotegidos. Fala mais alto o lamento maior pelo azar que visitou um grupo de vinte e três emigrantes marroquinos que tentavam entrar ilegalmente em Espanha. Os ventos foram caprichosos e empurraram a embarcação frágil até às praias de Olhão. No azar de ser pobre há o azar maior da fuga rumo ao prometido eldorado terminar no lugar errado.
Dirão que a diferença entre desembarcar em Olhão e em Cádiz não é significativa. Que, para emigrantes marroquinos que fogem da miséria em busca de um bem-estar tão ansiado, qualquer lugar na península ibérica é um refúgio que marca encontro com um nível de vida melhor do que levam na terra onde nasceram. Se assim é, como explicar a decepção dos emigrantes ilegais? Não será somente por terem sido capturados pelas autoridades lusitanas. Nem sequer por saberem que têm viagem de regresso agendada para dentro de umas semanas, quando as autoridades “competentes” puserem termo ao processo com um carimbo de repatriamento. Aposto que a decepção maior aconteceu quando deram conta que naquele areal ninguém falava castelhano. Sabedores de geografia, perceberam que tinham falhado no alvo. Malditos ventos que empurraram a barcaça para o país do lado.
E não: por mais que tentem compor a imagem externa do país, com campanhas decerto caras que espalham além fronteiras outdoors com as caras dos ícones do sucesso doméstico, não me excita o orgulho pátrio. Na semana passada houve vários opinadores que quiseram vergar o derrotismo que domina tantos espíritos. Puxaram lustro ao optimismo militante, que mais não fosse para mudar comportamentos apoderados pelo negativismo. E aplaudiram a campanha que, ela também, puxa o lustro – desta vez à imagem de um país que se retrata nos rostos de alguns que dão a cara como exemplos de sucesso reconhecidos no estrangeiro.
(Um parêntesis necessário: um dos “rostos de sucesso” é um decorador cujo nome nunca ouvi falar. O que leva à interrogação: por que artes de magia terá este decorador sido cooptado para a campanha de embelezamento da imagem pátria no exterior? Se a intenção é chamar a atenção para as maravilhas lusas através dos casos de sucesso com visibilidade internacional, aposto que lá por fora o conhecimento do decorador será pouco acima da nulidade. O que faz redobrar de importância a interrogação: que critérios insondáveis terão funcionado para ser um dos eleitos na campanha engendrada pelo ministro da economia – que, na palavra que titula o cargo, se fosse trocado o “m” por um “s” ficaria mais à imagem da personagem.)
Acho que já estou a perceber por que desembarcaram os candidatos a emigrantes marroquinos nas praias de Olhão. Foram atraídos pelos outdoors espalhados mundo fora, com a bênção do erário público que haure os impostos que não conseguimos deixar de pagar. Nunca os efeitos de uma campanha de imagem terão sido tão rápidos. Desenganem-se os senhores do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras que tranquilizaram as hostes, dizendo que foi um desembarque episódico. Atraídos pela campanha, as praias algarvias serão pousio para sucessivas levas de emigrantes do Magrebe. Só que o guardião da verdade e de todas as certezas – o primeiro-ministro – já deu por encerrado o assunto ao assegurar que foi coisa fortuita. Eu fico tranquilo com a certeza de que o primeiro-ministro e os funcionários públicos mandados por ele têm este dom de adivinhar o futuro.
Fica por confirmar que os emigrantes marroquinos teriam sido os primeiros a provar a cicuta dos outdoors que espalham mundo fora as virtudes do “Portugal West Coast of Europe”. Estávamos enganados: não se pagou um cêntimo que fosse para espalhar estes cartazes em Marrocos. Foram os emigrantes que confessaram o erro de cálculo na rota que os levou a um destino diferente do planeado. Se soubessem ao que vinham – errar no alvo e desembarcar numa terra que não pode prometer aquilo que os leva a arriscar a vida na travessia entre os dois continentes – nem teriam saído de Marrocos. Mal por mal, antes numa terra que lhes seja familiar.
Quanto à estrambótica campanha de embelezamento de imagem pátria lá fora, só esta observação: alguém escolhe o destino do seu investimento, alguém desvia o destino turístico, apenas por ver caras com visibilidade internacional espalhadas em vistosos outdoors? Devemos ser um país a nadar na abundância de recursos, para nos darmos ao luxo de desbaratar dinheiro desta forma. Quem nos governa, tal como os fracassados emigrantes marroquinos, tem um notável dom para erros de cálculo.
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