O Tribunal Constitucional, com o beneplácito dos partidos-tubarão, pôs os pequenos partidos em saldo. Ou mostram que têm pelo menos cinco mil filiados, ou estão condenados a encerrar as portas. E assim o regime político se encerra numa concha, onde se banqueteiam apenas aqueles que reúnem a mais grossa fatia dos votos. Um regime político que se aproxima perigosamente do monolitismo: os partidos que se sentam no parlamento escondem as divergências que cimentam as clivagens de discurso e bebem todos do mesmo receituário, feito de privilégios que guardam apenas para si. Pelo caminho, perde-se o pluralismo de um regime político aberto a uma imensidão de partidos. E reduz-se a escolha dos eleitores. Talvez mais um convite à avalanche abstencionista.
Contra mim falo: militantemente contra a partidocracia impante, doença que corrói a democracia até ao tutano. Como pode um feroz crítico da partidocracia defender a pluralidade de partidos que o Tribunal Constitucional se dispõe a liquidar? A resposta é simples: não olho aos interesses pessoais, incapaz de me rever em qualquer partido do panorama partidário. Mas recuso a fazer dos meus pontos de vista os interesses dos outros – como parece que o Tribunal Constitucional faz, numa abordagem que tem tanto de parcial como de pragmática.
Dirão os pragmáticos que os pequenos partidos são epifenómenos que emergem sazonalmente quando há eleições agendadas. Não se lhes conhece actividade regular entre as eleições, pois eclipsam-se. E dirão mais: são partidos residuais, incapazes de se aproximarem sequer do número de votos mínimo para colocar um singelo deputado no parlamento. Insignificantes na sua expressão eleitoral, não faz sentido que proliferem como cogumelos e rivalizem com os partidos “sérios”, aqueles que reúnem as preferências do eleitorado, aqueles que conseguem chegar ao parlamento e a pelouros nas autarquias.
Discordo da argumentação. Nisto da escolha eleitoral, o pragmatismo não se deve sobrepor à liberdade de escolha. Se os pequenos partidos forem incapazes de provar que têm mais de cinco mil filiados serão banidos dos boletins de voto em eleições vindouras. O eleitorado ficará limitado na escolha entre os cinco partidos (ou coligações eleitorais) que costumam ter lugar parlamentar. E isto é perigoso: não só uma restrição à liberdade de associação (porque não hei-de ser autorizado a concorrer a eleições com um partido que tenha meia dúzia de filiados?), também uma restrição à liberdade de escolha dos eleitores. As minorias habituadas a votar religiosamente em partidos residuais perderão essa liberdade. Terão que optar entre a abstenção, o voto em branco ou nulo, ou a escolha do “mal menor”, com tudo o que esta opção significa de redução do livre arbítrio de quem vota.
Os economistas têm boas explicações para este tipo de comportamento. Acontece amiúde com aqueles que se incomodam com a concorrência. E que a tentam limitar a todo o custo, banindo o incómodo que os anões provocam. Depois os grandes banqueteiam-se sozinhos, partilhando entre si as sobras dos que foram extintos. E são os economistas que ensinam que, em tese, a concorrência é profiláctica. Quanto mais limitada, menor a eficácia dos glutões que ficam com a fatia de leão, maiores os danos aos consumidores. Os consumidores do sistema eleitoral são os eleitores, bem entendido. É de desconfiar sempre que os grandes se esforçam por banir os pequenotes de um mercado – e o sistema partidário é um mercado, como há nas eleições um mercado, o mercado eleitoral. São glutões que, paradoxalmente, têm inveja dos pequenotes. E asfixiam-nos até deixarem de respirar. Depois, necrófagos, saciam a sua gula nas migalhas deixadas pelos pequenotes já extintos.
Esta liquidação forçada dos pequenos partidos tem outro importante inconveniente. Desaparece o aspecto lúdico oferecido pelos pequenos partidos. O povo tem direito a folclore. Estes pequenos partidos oferecem a nota humorística que desanuvia a seriedade bafienta, a pose de Estado que exige muito respeitinho, o cinzentismo dos grandes partidos. O que seria de uma campanha eleitoral sem o cortejo de pequenos partidos tão heterogéneos como o POUS dos camaradas Carmelinda Pereira e Aires Rodrigues, ou o PND do inefável cadáver político vivo Manuel Monteiro, ou o PCTP-MRPP do enérgico Garcia Pereira – só para usar uma amostra da pluralidade de minúsculas formações políticas. É todo um capital de diversidade e de humor atrelado à política que se perde. O empobrecimento da paisagem partidária, fazendo o regime funambular perigosamente.
Perante isto, nas próximas eleições só me apetece escrever o nome dos pequenos partidos entretanto enterrados e colocar uma cruz em todos eles, sem excepção.
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